Escritos de Saúde Coletiva
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escritos de saúde coletiva
Assim, se despejados sobre os consumidores, os altos custos sociais da criminalização se espraiam
pelo conjunto das sociedades, que, sem perceber a irracionalidade de suas reivindicações,
clamam pela solução penal, quando, na realidade, é o próprio sistema penal o verdadeiro criador
dos problemas que, enganosamente, anuncia poder resolver.
A criminalização aparece como uma variável introduzida na estrutura do mercado: aos custos
normais de produção serão necessariamente adicionados os custos potenciais de perdas provocadas
por eventuais apreensões, bem como as despesas com a segurança exigida pela ilegalidade
do empreendimento, a naturalmente repercutir sobre o preço final do produto, ao que vem se
somar o fato de empreendimentos desta natureza ilícita, em geral, se desenvolverem em estrutura
oligopolizada, a redução da concorrência já se fazendo pelo natural afastamento daqueles
que não se dispõem a enfrentar a ilegalidade, outorgando-se, assim, uma espécie de franquia
àqueles dispostos a violar a lei. Provocando, com estes e outros mecanismos, a artificial elevação
dos preços, que irá gerar enormes lucros, a criminalização acaba por paradoxalmente funcionar
como um dos mais poderosos incentivos à produção e ao comércio destas mercadorias ilícitas.
Os lucros exagerados, estabelecendo uma relação funcional com a circulação legal do capital,
trazem imenso poder de corrupção: o mercado das drogas ilícitas vai produzir graves desvios,
perigosamente contaminando órgãos do aparelho estatal e do sistema financeiro.
É também à criminalização que se pode, em grande parte, atribuir a criação e disseminação
de drogas, que apresentam maior nocividade à saúde. Eventuais êxitos repressivos, redutores da
oferta, acabam por incentivar produtores, distribuidores e consumidores a buscar outros produtos,
assim acabando por introduzir no mercado novos produtos mais lucrativos, mais potentes e mais
perigosos. Isto ocorreu, por exemplo, nos Estados Unidos da América, após a década de 1970,
com o crescimento da oferta de cocaína e heroína, em grande parte consequência da repressão
à maconha e aos alucinógenos de origem mexicana, por elas substituídos. A introdução do crack,
no final dos anos 80, segue lógica econômica análoga.
Não são, portanto, propriedades farmacológicas de umas drogas que levam ao consumo de
outras, como costumam anunciar os que veem o consumo de determinadas substâncias, como
a maconha, por exemplo, como “passagem” para outras drogas mais perigosas. Os diferentes
ciclos do consumo obedecem a outros fatores, determinados, fundamentalmente, por razões
econômicas.
A criminalização tem um outro efeito ainda mais grave: ao tornar ilegais determinados bens e
serviços, o sistema penal funciona como o real criador da criminalidade e da violência, fenômeno
que se pode perceber também em relação ao jogo.
Ao contrário do que se costuma propagar, não são as drogas em si que geram criminalidade
e violência, mas é o próprio fato da ilegalidade que produz e insere no mercado empresas criminosas
– mais ou menos organizadas – simultaneamente trazendo, além da corrupção, a violência
como outro dos subprodutos necessários das atividades econômicas assim desenvolvidas, com
isso provocando consequências muito mais graves do que eventuais malefícios causados pela
natureza daquelas mercadorias tornadas ilegais.
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