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Escritos de Saúde Coletiva

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coleção de estudos do Doutor Luiz Carlos P. Romero

quem a disposição do cidadão meios de tornar efetivamente conhecida sua vontade. A previsão,

em lei, da possibilidade de reformar a decisão, a qualquer tempo, é defendida pela mesma razão.

Só assim teria legitimidade o entendimento de que o silêncio se traduz por consentimento à doação.

A outra questão que deriva dessa é a conciliação da implementação do princípio de doação

presumida com exigências de audiência ou consentimento familiar na ausência de manifestação

expressa de vontade do morto, feita em vida.

Fundamentalmente colidem com o caráter peremptório da disposição legal dois tipos de opinião.

A primeira é de que é válida a averiguação da vontade dos indivíduos para além do que dispõe

a lei, isto é, para além da pura e simples presunção de consentimento em decorrência do silêncio, e

de que, nesse caso, a família e os amigos são testemunhos válidos. A segunda é de que, na ausência

de manifestação da vontade do morto, ela pode ser substituída pela vontade de seus familiares.

Um terceiro argumento – mais radical – é o de um pretendido direito subjetivo dos familiares

sobre o destino do cadáver, independente da vontade do morto.

Essas não são questões que afetam apenas à atividade transplantadora dos países cuja legislação

adota o princípio do consentimento presumido. Nos que optaram pela solução do consentimento

afirmativo também são frequentes as mortes de pessoas que, em vida, não deixaram testemunhos

escritos ou registrados de sua vontade em relação à doação de órgãos após sua morte.

Nesses casos o mesmo dilema se impõe, e as posições anteriormente citadas se opõem, nesse

último caso, a pura e simples perda dos órgãos pela impossibilidade de extração, desconhecida

que é a vontade do morto.

Tanto na doutrina como na jurisprudência dos países cujo Direito é mais aproximado do nosso

prevalece, geralmente, a vontade do de cujus sobre a de outras pessoas – inclusive sobre a de seus

parentes – em relação à disposição de seus restos mortais. É mesmo, mais que um direito, um

valor de nossa cultura.(4)

É assim no Direito português, no espanhol e no francês. Como vimos, nesses países, na

ausência de manifestação da vontade do morto, feita em vida, presume-se autorizada a doação,

que não está – de nenhuma forma – condicionada, quer à averiguação de veracidade daquela

posição quer à autorização da família. É negado à família e a qualquer outra pessoa qualquer direito

subsidiário de decisão, que é entendido como possível de contrariar o dever de obediência

à vontade do falecido e como uma limitação aos interesses coletivos e do Estado, em relação à

saúde dos receptores dos órgãos.

Essa não era, no entanto, a disposição da antiga lei espanhola de 1951, revogada pela atual

que instituiu o princípio do consentimento presumido. Anteriormente, a extração de órgãos de

cadáver só era permitida se os parentes não se opusessem, mesmo frente ao consentimento expresso

da pessoa falecida. Essa fórmula legal reconhecia, assim, prevalência à vontade dos familiares

sobre a do falecido.

Entendimento desse jaez é predominante na legislação de língua inglesa e na dos países latino-americanos

criando uma coexistência da norma genérica, de fazer prevalecer a vontade do

de cujus sobre a de quaisquer outras pessoas, com a norma específica, relativa a essa matéria, que

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