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Escritos de Saúde Coletiva

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coleção de estudos do Doutor Luiz Carlos P. Romero

um direito jurisdicionalmente tutelável do qual decorre o poder do cidadão de exigir, do Estado,

a prestação.

2. A relativização desse direito, que é determinado, também, pela situação de hipossuficiência

do autor-paciente, isto é, a jurisprudência deixa implícito que as pessoas que dispõem de recursos

próprios para a aquisição de medicamentos não são, necessariamente, objeto desse direito,

fazendo perceber que, quando se trata de assistência farmacêutica, o direito constitucional só se

aplica se o demandante não tiver recursos para prover o medicamento por contra própria. Isso, no

entanto, não impediu que a totalidade dos pedidos fosse concedida.

3. A dificuldade dos julgadores de lidarem com conceitos técnicos como seleção de medicamentos

(denominada “padronização”, nos textos dos acórdãos estudados), protocolo clínico,

intercambialidade e vigilância sanitária, e a incapacidade ou desinteresse dos réus em explicá-los,

conferindo baixíssimo ou ausente conteúdo técnico às peças processuais. Como resultado, relações

de medicamentos selecionados, protocolos clínicos e o registro de medicamentos são entendidos

por juízes e desembargadores como entraves burocráticos e mecanismos de resistência

do gestor ao seu dever de agir.

4. O estabelecimento da prevalência da prescrição médica sobre quaisquer outros argumentos,

mesmo quando ilegal (como no caso da prescrição de medicamentos experimentais fora de

protocolos de pesquisa e de medicamentos sem registro no País) ou sem respaldo técnico (sem

comprovação de eficácia ou segurança e indicação terapêutica ou dosagem não-aprovadas pela

vigilância sanitária).

5. A não-consideração ou relativização de disposições legais frente à prevalência de

disposições constitucionais que instituem o direito público subjetivo à saúde – e no seu âmbito

o acesso ao medicamento – como prerrogativa jurídica indisponível. Por se tratar de normas infraconstitucionais,

os dispositivos da Lei nº 9.313, de 1996, (que obriga a distribuição gratuita de

medicamentos a portadores do HIV e doentes de aids) que instituem a seleção (padronização)

dos medicamentos alcançados pela obrigatoriedade, não são considerados pelos julgadores –

que a entendem como mero procedimento burocrático. Da mesma forma e pela mesma razão,

a confrontação a dispositivos legais que proíbem a importação, a prescrição e o uso de medicamentos

não-registrados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária é relativizada nas decisões.

Esse fato permite antever que a edição de novas normas legais que busquem delimitar o alcance,

o acesso ou o direito à assistência farmacêutica no âmbito do SUS muito provavelmente

não surtirá o efeito desejado de reduzir o número de ações judiciais contra o sistema de saúde,

mesmo com a institucionalização de processos técnicos similares aos citados. Ainda que uma

nova normativa legal definindo esses limites venha a ser adotada pelo Judiciário, ela poderá, no

máximo, limitar os gastos com medicamentos não-selecionados. Como a maioria das ações pleiteia

medicamentos selecionados, isto é, contemplados nas listagens adotadas pelo SUS e que

deveriam estar disponíveis na rede, uma tal norma poderá limitar o impacto econômico da judicialização,

mas pouco reduzir sua intensidade, a menos que os gestores do SUS adotem políticas

de assistência farmacêutica mais abrangentes.

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