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Escritos de Saúde Coletiva

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coleção de estudos do Doutor Luiz Carlos P. Romero

intensa participação dos diferentes grupos de interesse no parlamento. Originária de projeto de

lei da Câmara dos Deputados, a lei teve uma tramitação tumultuada e longa – doze anos – entre

as duas casas do Congresso, fato que, por si só, demonstra a dificuldade em conciliar interesses

tão díspares (a favor e contra a mudança do modelo assistencial) e que, no entanto, souberam se

fazer presentes e atuantes no processo legislativo, de forma direta e intensa.

O tema contrapôs, nos espaços do parlamento, das organizações sociais, dos serviços de saúde

e na imprensa, numerosos e atuantes grupos de pressão – pacientes, familiares de doentes,

trabalhadores de saúde mental, organizações sociais, corporação médica, empresariado médico,

representantes do setor saúde e do Ministério Público – que não se utilizaram dos meios institucionalizados

de participação no processo legislativo (iniciativa popular, legislação participativa,

plebiscito), mas atuaram diretamente junto aos parlamentares, nas audiências públicas e nos espaços

públicos do Congresso Nacional.

A atuação de grupos de interesse formados por portadores de determinadas patologias ou

condições de saúde vem se mostrando também muito efetiva nas últimas legislaturas, na obtenção

de leis favorecedoras de seus interesses. Foi em decorrência da atuação desses grupos

de pressão que foram propostas e aprovadas leis de iniciativa de parlamentares, obrigando a

prestação, pelo sistema público de saúde (SUS), de assistência farmacêutica para portadores do

HIV, doentes de aids, de hepatites e de diabetes – para citar apenas alguns desses grupos mais

ativos – e a concessão de benefícios trabalhistas e previdenciários e isenções de impostos para

portadores de deficiências específicas, de narcolepsia, de hepatopatias graves e outros.

Neste contexto, os sistemas de saúde baseados em princípios de universalização e igualdade

no acesso aos serviços enfrentam um dilema. Muitas leis que estão sendo aprovadas nos parlamentos

de seus países beneficiam apenas grupos de pacientes.

Como referido acima, no Brasil, uma lei de 1996, obriga o sistema de saúde a fornecer medicamentos

para portadores de HIV. Dez anos depois, os diabéticos reuniram força suficiente para que

também fossem contemplados com uma lei que lhes garante o acesso aos medicamentos e dispositivos

para medição da glicemia. Leis semelhantes, garantindo ações e serviços de saúde aos

portadores de hepatites e de câncer de colo de útero e de mama foram também aprovadas, em

2005 e 2008. Os portadores de outras patologias não têm a mesma garantia. Essas leis parecem

comprometer frontalmente os princípios da universalidade, da igualdade de acesso aos serviços

de saúde e da equidade.

Nesse caminho, é possível que grupos de pacientes com melhor organização e mais recursos

consigam aprovar outras leis de seu interesse. O sistema de saúde brasileiro acabará contemplando

mais os grupos mais fortes, que conseguem consumar seus interesses no parlamento. Ou

então que uma patologia adquira importância por suas altas taxas de morbidade e mortalidade e

seja contemplada com uma lei específica. Esse acesso diferenciado promove, em lugar de superar,

a imensa desigualdade social existente no Brasil, ao contrário do que almeja o seu Sistema Único

de Saúde.

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