20.05.2021 Views

Escritos de Saúde Coletiva

Escritos de Saúde Coletiva

Escritos de Saúde Coletiva

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

escritos de saúde coletiva

6.5 - Legislação comparada sobre doação de órgãos para

transplante e tratamento (1998)

Introdução

Desde que a tecnologia médica tornou disponível a realização de transplantes de órgãos e

tecidos como recurso terapêutico, um conjunto de questões éticas e legais foram trazidas a debate

público e parlamentar em várias partes do mundo, com um poder mobilizador que poucos

temas costumam ter.

Os conceitos de morte e um conjunto de significados e crenças associados a vários órgãos,

diferentes em cada cultura, bem como a própria aceitação da tecnologia, fazem com que a implementação

de programas de transplantes de órgãos não tenha sido tranquila em vários países(1)

e tido mais sucesso em outros.

Sua aceitação no seio de doutrinas religiosas nem sempre foi pacífica e, em algumas situações,

não se fez sem a deliberação de conclaves de lideranças religiosas e sacerdotais.

Assim, por exemplo, o conceito de morte cerebral só foi aceito pelos clérigos muçulmanos

após uma série de conferências, realizadas entre 1985 e 86, no Kuwait e na Jordânia; só recentemente

a Igreja das Testemunhas de Jeová aceitou a realização de transplantes de órgãos e apenas

se esses órgãos fossem provenientes de um membro da religião e se não houvesse transfusão de

sangue; os judeus ortodoxos relutam ainda hoje em aceitar os transplantes e, em Israel, o rabinato

ortodoxo exerce forte pressão para que eles só se realizem entre doadores e receptores judeus.

Entre cristão, judeus, muçulmanos e hinduístas o debate sobre morte encefálica e transplante

de órgãos ainda não está encerrado em razão do significado que a morte e o cadáver têm naquelas

religiões e culturas. Os budistas, no entanto – que consideram a vida uma ilusão e a morte

uma mera passagem, ao mesmo tempo em que não associam tanta significação ao cadáver – não

veem contradição entre seus preceitos religiosos e os transplantes.

Na opinião da Dra. Ribeiro de Faria, em tese apresentada sobre aspectos jurídico-penais dos

transplantes em Portugal, “mesmo pretendendo deixar para trás no tempo a lenda e o milagre, e

assumir racionalmente as hipóteses abertas pela moderna cirurgia dos transplantes, não é simplesmente

por essa vontade e pelo fato de nos encontrarmos em pleno século XX que esse significado

mágico deixa de existir nas representações do homem comum”.(2) Tratam-se, aqui, de construções

culturais profundamente arraigadas na vida das pessoas, algumas com significados religiosos.

Não foi por outra razão que os legisladores relutaram, por muitos anos, em encarar o problema

e, quando isso aconteceu, não foi sem movimentados debates parlamentares e públicos.

A dificuldade em legislar sobre essa matéria ficou demonstrada pela diversidade de regimes e

soluções adotadas pelos vários países.

Na Europa – e a Alemanha vive, ainda hoje, essa questão – muitas vozes se ergueram contra

a inércia legislativa que resultava na inexistência de disposições específicas nessa matéria, uma

vez que os preceitos constitucionais, a legislação ordinária e os códigos penais existentes se mos-

280

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!