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O Dinossauro - Ordem Livre

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particularmente para os latinos. Isso quer dizer que o anseio natural que conduz à procura<br />

da igualdade e da justiça, sendo de caráter racional e abstrato, pode perfeitamente conviver<br />

com o obsessivo zelo no sentido de obter prerrogativas, imunidades e vantagens especiais.<br />

E o motivo dessa aparente incongruência é o seguinte: a ideia de justiça na equidade está<br />

relacionada com as funções intelectuais, é uma noção abstrata, intuitiva e de aplicação<br />

geral, correspondente aos princípios de Razão prática, segundo Kant. A igualdade se impõe<br />

como uma exigência da Razão. Surge a partir da consideração do sujeito que não deseja ser<br />

discriminado. Insistimos pela isonomia, como dedução lógica de um "contrato social" entre<br />

irmãos que se consideram igualmente credores da benevolência e proteção paternas. O<br />

privilégio discriminatório, ao contrário, constitui uma reação afetiva concreta, diante de<br />

situações transitórias: situa-se na área da preferência por motivos de amor, simpatia,<br />

lealdade ou amizade.<br />

Em sua famosa distinção entre as três formas de legitimação do poder ou domínio<br />

— o tradicional-patrimonial, o carismático e o racional-legal — Max Weber torna claro que<br />

só a terceira permite a superação do privilégio. A "rotinização do carisma" acarreta o<br />

privilégio daqueles que estão de certo modo relacionados com a autoridade. O prestígio é<br />

contagioso e os que se associam ao carisma do chefe são ipso facto privilegiados. Isso se<br />

transmite por "tradição" imemorial e se converte em rotina. Só o processo de racionalização<br />

que configura o sistema democrático-burocrático moderno permite eliminar a exceção<br />

pessoal discriminatória.<br />

O tema é interessante. Encontrei em uma obra do antropólogo Roberto da Matta,<br />

que lecionou muitos anos nos EUA, uma observação pertinente sobre as reações opostas do<br />

americano e do brasileiro numa situação determinada — digamos, numa fila de espera. Se<br />

nos Estados Unidos alguém desejar, impetuosamente, romper a fila, passando na frente dos<br />

que esperam, os protestos serão gerais e imediatos: "Quem você pensa que é?" (Who do you<br />

think you are?) A multidão exige o respeito geral, isonômico, ao ordenamento, lei e regra.<br />

Não pode haver exceções. A lei é dura mas deve ser igual para todos. O reclamo desse tipo<br />

está profundamente entranhado na sociedade democrática americana e lhe constitui mesmo<br />

uma das características essenciais. No Brasil, entretanto, um indivíduo que, por qualquer<br />

motivo, procura escapar pelo privilégio da rotina da lei e do regulamento imposto ao<br />

comum dos mortais, se chamado à ordem por alguma autoridade, logo retruca com a<br />

clássica pergunta prepotente: "Você sabe com quem está falando? "...<br />

O anseio de privilégio é facilmente explicável pela estrutura originariamente<br />

aristocrática e patriarcal de nossa sociedade — uma sociedade de fundo colonial cuja<br />

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