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O Dinossauro - Ordem Livre

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pela introspecção austera do puritanismo calvinista, de evitar a qualquer preço a revelação<br />

de nossas próprias emoções e esconder dos outros a nossa própria alma com suas angústias,<br />

baixezas e sofrimentos — le moi est haissable, como se dizia — Rousseau teve a pretensão<br />

de descobrir seus segredos mais íntimos. Confessou-se publicamente. Quase<br />

masoquisticamente. Sordidamente. Mas jamais parece haver tentado aprender a lição, com<br />

proveito de autocrítica. Insistiu repetidamente, junto ao público que lhe admirava os livros e<br />

as conversas, no sentido de que fossem todos testemunhas beatas dos processos<br />

maravilhosos de sua angústia. ("Parecia-me que o destino me devia algo que nunca me deu<br />

... Esta consciência de meu valor interior provocou-me um sentimento de injustiça que me<br />

concedia uma espécie de compensação e era causa de que chorava pesadas lágrimas, as<br />

quais me agradavam enquanto corriam"...) Outros poetas românticos posteriormente lhe<br />

seguiram o exemplo em obras fortemente autobiográficas. Pelo menos em sua juventude,<br />

antes de atingir a maturidade sobranceira, conservadora e burocrática, Goethe confessou-se<br />

no Werther. Foi uma extensão de Weltschmerz... O mal du siècle também bate tambor em<br />

Chateaubriand e no spleen do Childe Harold de Byron.<br />

É essa extraversão absurda dos sentimentos particulares, essa quase total ausência<br />

de modéstia ou pudor moral, bem como a ignomínia de suas fracassadas aventuras<br />

amorosas, que têm levado muitos críticos a duvidar da sinceridade entesourada nos apelos<br />

patéticos de Rousseau à virtude e à verdade. Ele parece mais convincente quando se demora<br />

nas contradições internas dos sentimentos, uma vez que o Eros não está enfeudado à<br />

categoria da consistência lógica: Eros e Logos contradizem-se.<br />

A má consciência e um complexo de culpa, causador de tantas amofinações,<br />

inspiraram-no na masturbação intelectual de suas famosas Confissões. Sua personalidade<br />

um tanto ou quanto esquizofrênica foi mesmo usada como tema para um "Diálogo entre<br />

Rousseau e Jean-Jacques".* Esta obra ofereceu-lhe a ocasião para demonstrar seu penchant<br />

pronunciado pelo exibicionismo emocional, o masoquismo moral e a contemplação beata<br />

de si mesmo, com que fixou definitivamente o caráter do movimento romântico no século<br />

seguinte.<br />

Ele insiste repetidamente que todos os homens — menos ele — são maus, todos<br />

são méchants.** No seu romance La nouvelle Héloise, o herói, que supostamente representa<br />

* Aí escreve, a certa altura: "Rien n'est si dissemblable, à moi que moi-même. Je me trouve si bizarrement disposé à cet egard,<br />

qu'ètant un jour aborde par deux personnes à la fois, avec 1'une desquelles j'avais accoutume d'être gai jusqu'à la folie, et plus<br />

ténébreux qu'Héraclite avec 1'autre, je me sentis si puissamment agité, que je fus contraint de les quitter brusquement, de peur que<br />

le contraste des passions opposées ne me fit tomber en syncope".<br />

** "Les hommes sont méchants, une triste et continuelle expérience dispense de la preuve." No segundo Dialogo, tem isso a revelar<br />

de si próprios: "J'ose même dire qu'il n'y a point de constitution plus eloignée que ía sienne de la mechancetè; car son vice<br />

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