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O Dinossauro - Ordem Livre

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admitiu, inicialmente, a bondade básica da natureza humana. Seguia, nesse ponto, o<br />

otimismo de lord Shaftesbury para quem a natureza humana é a melhor possível num<br />

mundo o mais harmonioso possível (o melhor dos mundos possíveis de Leibniz). Ao<br />

aceitar, entretanto, a bondade da natureza humana, Rousseau era pessimista no que diz<br />

respeito à civilização. Em vez de um complexo de inferioridade adleriano, escravizado ao<br />

Logos do monarca absoluto, Rousseau pretendeu construir sua sociedade ideal nos alicerces<br />

movediços de um Eros extravertido. É relevante, no contexto de nosso argumento, observar<br />

essas diferenças entre os pensadores racionalistas e os Românticos. O Inconsciente dos<br />

Românticos, até Freud, se associa a uma imagem feminina de bondade instintiva que<br />

conduz, pela lógica inerente e paradoxal do incesto edipiano, ao assassínio da instância<br />

paterna, arquetípica, de Autoridade e Lei, o Nomos, símbolo da Repressão. A aceitação da<br />

premissa do Contrato Social é o ponto de partida — que vamos reencontrar na "sociologia"<br />

freudiana. Todo o problema de Rousseau consiste em procurar meios de conciliar a<br />

Liberdade, definida como o jogo aberto e sem constrangimento dos sentimentos naturais,<br />

com a existência de uma sociedade civilizada a qual é considerada, essa sim, summum<br />

malum. L'enfer c'est les autres...<br />

Enquanto estava Hobbes preocupado com a submissão dos "maus" instintos do<br />

lobo no homem, Rousseau atendia ao ímpeto de preservar a pretensa inocência, pureza e<br />

liberdade emocional do bicho natural — aquele que era chamado le Bon Sauvage. O mito<br />

do Bom Selvagem aparece na Europa com o Renascimento. Reação contra a ênfase<br />

medieval do homo spiritualis, foi fantasmagoricamente constelado depois da descoberta de<br />

primitivos negros africanos e índios americanos, na esteira das Grandes Navegações<br />

ibéricas.* No mito do Bom Selvagem, a história da criação do Homem segundo o Gênese<br />

foi transmudada, para fins de repaganização, sugerindo uma escapatória pelagiana para<br />

longe das consequências do Pecado Original. A sofisticação da Europa barroca e o<br />

artificialismo de sua Máscara, no século do Iluminismo versalhesco, parecia exigir essa<br />

idealização compensatória graças à qual o "nobre selvagem", simples e nu, destituído de<br />

malícia e de cobiça, foi imaginativamente transplantado de suas florestas primevas do Novo<br />

Mundo, para servir de modelo exemplar contra o luxo e a corrupção das grandes cortes<br />

principescas. Tratava-se de, se possível, corrigir e desmascarar a Persona excessivamente<br />

pretensiosa do aristocrata do século de Luís XIV, com sua cabeleira postiça e seus punhos<br />

de renda. Montaigne, como se sabe, muito contribuiu para a vulgarização da imagem<br />

* Já tive ocasião, no livro Em berço esplêndido, de discutir a influência do mito sobre a Visão do Paraíso Tropical que fascinou os<br />

descobridores portugueses, ao desembarcarem em nossas praias, e que continua a determinar o comportamento do Brasil litorâneo,<br />

hedonista e preguiçoso.<br />

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