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O Dinossauro - Ordem Livre

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O espetáculo nacional apresenta curiosidades e incoerências que. às vezes, nos<br />

enchem de grande perplexidade. Vejam, por exemplo, o seguinte caso: nascem aqui cerca<br />

de quatro e meio milhões de crianças por ano. O índice de natalidade talvez ainda ultrapasse<br />

os 4%, elevadíssimo e próprio de país subdesenvolvido (o índice é de 4% e não de 2,5%,<br />

como afirma sua eminência reverendíssima, o cardeal d. Eugênio Salles, em artigo<br />

publicado no Jornal do Brasil, quando confunde índice de natalidade com índice de<br />

aumento demográfico, ignorando aparentemente que o segundo é o resultado da diferença<br />

entre o primeiro e o índice de mortalidade!). Dos quatro e meio milhões de bebês nascidos<br />

vivos, mais de 300.000 morrerão antes de alcançar cinco anos. Milhões serão abandonados.<br />

Milhares se transformarão em trombadinhas e, eventualmente, em marginais, assaltantes e<br />

assassinos. Tenho lido denúncias na imprensa sobre o número grotesco de molequinhos sem<br />

família, abandonados ao deus-dará, sem educação, sem escola, sem assistência de nenhuma<br />

espécie. Um dado que li alhures, e obviamente excessivo, registra a cifra de 26 milhões de<br />

crianças abandonadas em nossa terra — cifra que, mesmo se reduzida a 10% do total<br />

alegado, ainda constituiria um escândalo, uma vergonha para o país. Pois bem, eis o<br />

paradoxo: assim como o nacionalismo uterino se rebela contra uma política necessária,<br />

urgente e racional de controle da natalidade, esse mesmo extravagante sentimento mal<br />

dirigido de patriotismo age no sentido de dificultar o processo de adoção. Uma combinação<br />

indecente de burocracia e ideologia nacionalista. Vou contar um episódio que tive ocasião<br />

de testemunhar e que me encheu de espanto e de indignação.<br />

Uma senhora, nossa amiga, se interessou no sentido de encontrar pais adotivos<br />

para o quinto filho natural de sua empregada doméstica. O interesse da patroa e da<br />

doméstica coincidiu com o de uma senhora europeia, com mais ou menos 40 anos de idade,<br />

casada com um empresário abastado, uma de cujas indústrias se localiza no Brasil. A<br />

senhora europeia (a quem dou o nome suposto de Verena), não podendo ter filhos, veio ao<br />

Brasil com o fim precípuo de receber a criança recém-nascida, para adoção plena de<br />

conformidade com todas as exigências legais. Mas aí começou o drama ou tragicomédia<br />

inacreditável. O dinossauro burocrático levantou a cabeça e reagiu emocionalmente sob o<br />

impacto do sentimento de xenofobia: com que então uma estrangeira se atreve a roubar de<br />

nossa pátria amada, idolatrada, um desses preciosíssimos frutos do útero nacional?! A<br />

reação do dinossauro foi lenta — como sempre acontece com esses animais antediluvianos,<br />

notórios pela dureza de sua carapaça, rudeza de seu sistema nervoso e insignificância do<br />

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