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O Dinossauro - Ordem Livre

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científico. Era filho de um vigário, mas debochou o livre-arbítrio e atacou a hierarquia<br />

eclesiástica. Foi um monarquista que se submeteu a Cromwell — escandalizando e<br />

ofendendo, ao mesmo tempo, os partidários do rei Carlos pelos argumentos naturalísticos,<br />

quase cínicos, em favor do absolutismo (e Clarendon o denunciou como preferível a título<br />

de inimigo, do que como amigo). Foi um cético que falou da religião como se em nada mais<br />

consistisse do que na lei e na obediência. Adorava ao mesmo tempo, com a maior<br />

veneração, o "deus mortal" da política, o qual batizou com o nome de um monstro<br />

mitológico fantástico do Velho Testamento. Talvez algumas dessas contradições íntimas<br />

expliquem por que Hobbes acreditou, ingenuamente, haver encontrado a solução<br />

matemática do enigma da Quadratura do Círculo. Se pensava realizar a façanha no campo<br />

da política, nada o impedia de esperar alcançar sucesso do mesmo quilate no terreno da<br />

geometria, ciência que representaria o próprio fundamento das demais. A presunção,<br />

dogmática e impertinente, dessas alegações um tanto ou quanto tolas são muito típicas das<br />

rachaduras no monumento soberbo que o Racionalismo filosófico tentava erguer,<br />

paralelamente ao florescimento em Versalhes do Despotismo Esclarecido.<br />

Hobbes não perde seu valor por esse motivo. Seus excessos chamam a atenção<br />

para o que é sua contribuição perene: o reconhecimento da natureza problemática do<br />

homem, que não é necessariamente um anjo, como pretendem os filósofos românticos<br />

libertários; e a necessidade que essa maldade inata impõe de fundar um Estado, para a<br />

manutenção da segurança de todos.<br />

Antes de terminar esta seção, cabe ressaltar que uma interpretação interessante da<br />

obra de Hobbes se encontra no livro de Nelson Lehman da Silva, A religião civil do Estado<br />

moderno. Esse professor da Universidade de Brasília trata extensamente do problema do<br />

Leviatã hobbesiano no capítulo 2, sob o título "A teologia civil" do Estado moderno. Ele<br />

observa que, na tentativa de estabelecer os inícios concretos do pensamento político<br />

moderno, mormente no que diz respeito ao crescimento teratológico do poder do Estado, a<br />

maioria dos autores aponta para Thomas Hobbes. Na verdade, esse Estado moderno surgiu<br />

do rompimento da tradição agostiniana que separava os dois poderes, as duas "espadas", a<br />

do Imperium e a da Ecclesia. Lehman aponta corretamente para essa ominosa tendência que<br />

se coloca, muito precisamente, no momento do Renascimento e da Reforma protestante. A<br />

confusão entre poder temporal e poder espiritual e a renúncia ao paradigma transcendente<br />

da Cidade de Deus acarreta a relativização positivista da lei e da moral.<br />

O retorno à teologia política do paganismo se coloca, em princípio, na obra de<br />

Hobbes. E a tendência que, como veremos mais adiante, se intensificará com Rousseau e<br />

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