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O Dinossauro - Ordem Livre

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fé cristã e a hierarquia inamovível da pedra de Pedro.<br />

Além de Rousseau, Vicente Barretto (op. cit.) refere-se enfaticamente à influência<br />

no Brasil do Abbé Raynal († 1796). A sua Histoire philosophique des deux Indes teve,<br />

como acentua este autor, grande repercussão no final do século XVIII, tornando-se um bestseller<br />

que competiu com os livros de Rousseau. Nesta obra, ao descrever uma visão<br />

fantasiada da sociedade, ele ataca violentamente os padres, o poder monárquico e a<br />

escravidão dos negros — contribuindo assim para o "clima de opinião" que ia desencadear<br />

a Revolução francesa. Na verdade, o abbé Guillaume Thomas de Raynal, um jesuíta<br />

défroqué e condenado pelas autoridades que o obrigaram a viver no exílio, antecipa avant la<br />

lettre os nossos frei Beto e frei Boff no romantismo revolucionário violento em que querem<br />

transformar o Cristianismo. O padre destemperado ficou impressionado com as descrições<br />

de Bougainville sobre Taiti. O relato das viagens do almirante francês fora expurgado por<br />

Diderot de tudo que pudesse destoar do ambiente paradisíaco preconcebido pelo Mito do<br />

Paraíso Tropical e do Bom Selvagem. Para Raynal, as belas vahinês nuas, que haviam<br />

acolhido os marinheiros franceses e os haviam levado à loucura sexual — como o fariam<br />

poucos anos depois com os marinheiros ingleses do Bounty — não representavam o<br />

prodígio de beleza, felicidade, pureza e amor das descrições imaginativas. A Utopia edênica<br />

era conspurcada pelas doenças venéreas, pela tirania da classe dirigente dos guerreiros<br />

nativos sobre a massa da população, pelas guerras perpétuas que consumiam a substância<br />

das tribos da Polinésia e por outras mazelas, pouco condizentes com o Mito. O curioso é<br />

que Raynal denunciava a visão do paraíso de modo ambíguo, antecipando a ideia da<br />

religião como ópio dos povos. Com muita incoerência, típica aliás desse gênero de<br />

literatura, o que ele construía na História filosófica das duas índias era na realidade uma<br />

distopia. O que começara como uma aparente apologia da opressão universal das classes<br />

dominantes que procuravam manter o zé-povinho num estado de satisfação, inocência e<br />

contentamento obediente semelhante ao dos índios, transformava-se depois num grito de<br />

protesto contra a hipocrisia social. Tratava-se, portanto, para Raynal, não de pregar o<br />

retorno ao paraíso perdido do homem natural de Rousseau, mas de demolir a estrutura da<br />

sociedade civilizada, considerada pecaminosa. Adiantando-se aos antropólogos e teólogos<br />

terceiro-mundistas de nossa própria época, Raynal alegava que "a ignorância dos selvagens<br />

num certo sentido esclareceu os povos civilizados". Nessa base, cabia subverter as<br />

estruturas, como fez frei Caneca e fazem hoje os discípulos de Raynal na Teologia da<br />

Libertação.<br />

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