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O Dinossauro - Ordem Livre

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peculiar da santidade da lei. Passou-se o episódio quando foi obter um visto no Consulado<br />

do Brasil, para entrar em nosso país. O Cônsul logo aconselhou-o a fazer uma declaração<br />

falsa — que era "agrônomo", ao invés de médico, como de verdade. Isso era uma maneira<br />

de "dar um jeito... e facilitar o contorno das leis de imigração, pouco favoráveis aos<br />

médicos. Conclui nosso autor (que acabou aprendendo a lição bem demais!) o brasileiro "é<br />

um povo onde as leis são reinterpretadas; onde regulamentos e instruções do governo já são<br />

decretadas com um cálculo prévio da percentagem em que são cumpridos; onde o povo é<br />

um grande filtro das leis e os funcionários, pequenos ou poderosos, criam sua própria<br />

jurisprudência. Ainda que esta jurisprudência não coincida com as leis originais, conta com<br />

a aprovação geral, se é ditada pelo bom senso".<br />

A massa passiva do funcionalismo, que se poderia chamar o tecido adiposo<br />

formado de glicerina e ácido graxo de nosso <strong>Dinossauro</strong>, é a Maria Candelária. Constitui a<br />

classe média visceral da burocracia. Sentada o dia inteiro, notável pela sua esteatopigia,<br />

conversa ela com as colegas sobre as peripécias da última novela de rádio e as fofocas da<br />

repartição — enquanto se estende a fila do público desesperado pelos corredores da<br />

repartição e até o portão do Ministério.<br />

Abaixo de todos, na escala hierárquica, temos a figura melancólica do contínuo.<br />

Sua missão é difícil de definir em qualquer sociedade que acredite em desenvolvimento e<br />

eficiência. Ele simplesmente existe. É expressão do subemprego generalizado com que o<br />

social-estatismo caritativo procura liquidar com esse horroroso crime do capitalismo que é a<br />

concorrência e o desemprego. O contínuo aparece num corredor ou numa portaria, ao lado<br />

de um gabinete, geralmente sentado com um olhar vago de indiferença. Às vezes fica de pé,<br />

respeitosamente, quando passa um alto funcionário. Abre-lhe a porta. Carrega papéis e<br />

mensagens de um lado para o outro. Tem o importante encargo de fazer café, levar a aposta<br />

da loteria esportiva, comprar cigarros e, ocasionalmente, o de receber propinas para<br />

desencravar processos perdidos em alguma gaveta ou obter assinaturas do chefe. Em troca,<br />

pede emprego para o filho...<br />

Eis as personagens principais da repartição pública. E o ambiente? Sem dúvida é o<br />

Brasil muito grande. Faz muito calor. E Deus é brasileiro! O suor corre pelas costas e pela<br />

testa, pingando em cima dos maços e dos processos. Lá longe está a praia. Que delícia! Não<br />

se pode combater a tentação do Paraíso tropical com excessiva autoridade fascista, egoísmo<br />

capitalista e puritanismo calvinista. Há que recomendar tolerância, facilidades, boa<br />

vontade... Já em carta datada de 1558 e dirigida a el-Rei D. Sebastião, escrevia Mem de Sá:<br />

"Esta terra não se deve nem se pode regular pelas leis e estilos do Reino. Se Vossa Alteza<br />

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