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O Dinossauro - Ordem Livre

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Uma observação interessante pode ser feita a esse respeito. O papel da femme<br />

inspiratrice, no perfeito equilíbrio alcançado pela cultura barroca francesa, lembra a tese de<br />

Jung concernente ao lado feminino da alma masculina que ele denomina de Anima. "Assim<br />

como o homem realiza o seu trabalho, como criação completa, graças à sua natureza<br />

feminina interior, à sua Anima, assim também o lado masculino interior da mulher, seu<br />

Animus, gera sementes criadoras que possuem o poder de fertilizar o lado feminino do<br />

homem". Nessa capacidade, a mulher eleva o Eros a algumas de suas mais altas esferas,<br />

agindo como um espírito sedutor na mediação entre os opostos e despertando a chama do<br />

gênio, porventura adormecida na mente do varão. A pronunciada diferenciação dos<br />

impulsos afetivos, mesmo nos círculos mais intelectualizados, granjeou ao espírito francês<br />

um certo predicado de animus, de modo que a imagem feminina adquiriu aqueles atributos<br />

masculinos de razão e de lógica que, nos casos normais e entre gente de tipo mais<br />

claramente cerebrino, seria o apanágio exclusivo da consciência viril. Isso explicaria não<br />

apenas o fato de que, em França, tantas mulheres foram autoras ilustres, mas sobretudo a<br />

influência indiscutível que, como Egérias, exerceram sobre os maridos, os amantes, os<br />

amigos e os protegidos. A história artística, literária e filosófica da França é<br />

magnificamente enriquecida por essa presença do belo sexo. Suficiente é apontar a<br />

contribuição dos famosos salons, como os de Madame de la Fayette, da Marquesa du<br />

Deffand ou de Mademoiselle de Lespinasse, para medir o valor fecundante desse<br />

matrimônio sutil entre a Inteligência e o Amor, através da conversa polida e espirituosa que<br />

a mulher presidia.<br />

Mas, depois, foi o desastre! Dissolveu-se a ordem da alma e, enquanto Voltaire e<br />

os Enciclopedistas usaram a Razão para liquidar com os remanescentes da cultura gótica,<br />

outros invadiram o campo vindos de direção oposta, transformando a paixão romântica num<br />

instrumento igualmente pernicioso de dissociação psíquica. Tanto Diderot quanto Rousseau<br />

alcançaram o mesmo fim, não obstante sua áspera querela. Madame du Deffand, a célebre<br />

patroa de um dos mais prestigiosos salons parisienses onde se reunia a fina flor dos<br />

philosophes, costumava matutar: "Il me faut absolument des malheureux pour en faire des<br />

heureux"... Esses desgraçados que se deviam tornar felizes com a leitura das obras da<br />

panelinha filosófica subversiva constituíam a massa de manobra que, poucos anos depois,<br />

os intelectuais jacobinos iam utilizar para derrubar a Bastilha e desencadear a Revolução.<br />

A Razão autônoma seduziu a mente com a intoxicação do poder, com o orgulho da<br />

inteligência, às vezes magnífica em seu domínio sobre a natureza, outras vezes vã e cínica<br />

— enquanto o Romantismo reduziu o ágape cristão, submetendo-o ao culto do eros<br />

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