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O Dinossauro - Ordem Livre

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álta, alemão de sangue e cultura, mas russo ao nascer, faz a certa altura a observação de<br />

que o Estado brasileiro muito lhe parecia assemelhar-se ao Estado russo. "O aparelho do<br />

Estado é um organismo à parte", escreve ele. "O alto funcionário brasileiro se parece como<br />

um irmão ao da Rússia tzarista. Mas o Brasil se revela perfeito e seguro naquilo mesmo em<br />

que a Rússia era imperfeita e vulnerável; e de tal modo que, poucos dias depois de minha<br />

chegada ao Brasil, já me podia dizer que se a Rússia houvesse sido governada como o<br />

Brasil, o povo jamais teria feito a revolução." O paralelo traçado por Keyserling é de alta<br />

pertinência. Em ambos os países, de grande extensão territorial, baixa densidade<br />

demográfica e grau acentuado de subdesenvolvimento, o Estado desempenhava um papel<br />

de vanguarda, como desempenha até hoje, ainda que sempre ineficiente, no esforço pela<br />

industrialização e progresso material. Uma diferença profunda, contudo, distingue esses<br />

dois monstros antediluvianos, esses dois Leviatãs grosseiros e açambarcadores. "No Brasil,<br />

mais do que em qualquer outro lugar", escreve Keyserling, "segue a arte de governar<br />

caminhos semelhantes aos da diplomacia da fêmea, a qual tudo refere ao primordial, e tal é<br />

precisamente a razão de seus êxitos." O filósofo alemão fala do Brasil em termos de<br />

Delicadeza. Com essa palavra portuguesa como título do capítulo em que mais se demora<br />

no Brasil, ele acentua que, ao contrário do Estado russo — useiro e vezeiro no uso do knut,<br />

do ukase e da Sibéria para a reeducação dos recalcitrantes —, o Estado brasileiro era todo<br />

suavidade, discrição e delicadeza na imposição de sua autoridade. Naquilo em que a Rússia<br />

se mostrava brutal, reina no Brasil a consideração mais refinada, e tudo que poderia<br />

alimentar algum descontentamento é encoberto de maneira a torná-lo invisível. Essa última<br />

observação me lembra o admirável sistema chocante, que adotamos para a eliminação dos<br />

criminosos: em vez da pena capital, a execução sumária pelos esquadrões da morte na<br />

calada da noite... Keyserling observa ainda, divertido, que se um dia o comunismo tomar<br />

conta do Brasil, as autoridades ficarão com pena dos burgueses capitalistas e terão a<br />

delicadeza de lhes restituir as casas e usinas desapropriadas ou, pelo menos, arranjar-lhes<br />

emprego na nova Nomenklatura...<br />

Todos nós concordamos sobre o paternalismo absorvente que se mantém como um<br />

dos traços mais salientes de nossa política, através das peripécias históricas — Revolução<br />

"liberal" de 1930, "Estado Novo", "Nova República" de 1945, "Revolução" de 1964 e<br />

"Nova República" de 1985. O patrimonialismo paternalista implica o filhotismo, o<br />

nepotismo, o compadrio, a parentela, o clientelismo, o empreguismo, o "fisiologismo" e<br />

tantas outras expressões que designam formas diversas do mesmo fenômeno fundamental.<br />

Em poucas palavras: a confusão entre o público e o privado. A situação em que, quem não<br />

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