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O Dinossauro - Ordem Livre

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sociedade erótica o pistolão goza de domínio hegemônico. O critério orientador do ingresso<br />

e sucesso no serviço público não é da competência e eficiência (critério lógico), mas o da<br />

simpatia do homem de influência (ministro, deputado, general, banqueiro ou diretor de<br />

jornal) em relação ao favorecido, por motivos de amizade ou parentesco.<br />

O critério do pistolão adquiriu outrora uma complexidade prodigiosa. Houve um<br />

presidente da República que se queixava de serem as promoções do Itamaraty, por exemplo,<br />

um dos atos mais difíceis de sua administração. Os candidatos à promoção a embaixador ou<br />

a ministro ou ao posto de conselheiro da Embaixada em Paris se apresentavam armados,<br />

como num jogo de pôquer, de um par de senadores e um par de arcebispos; ou de uma<br />

trinca de generais; ou de uma sequência parlamentar (a bancada do Estado); ou de um<br />

pôquer de ministros, acrescido da diretora do Museu de Arte Moderna. Em outros ramos do<br />

serviço público o sistema não atingia tal sofisticação, mas o mecanismo é o mesmo.<br />

O critério afetivo do pistolão tem o efeito não somente de prejudicar os incentivos<br />

naturais da seleção, mas também de ser absolutamente dependente de sorte. Na cena I do<br />

Primeiro Ato de Otelo, queixa-se lago:<br />

'Tis the curse ofservice<br />

Preferment goes by letíer and affection,<br />

And not by old gradation, where each second<br />

Stood heir to the first.<br />

("A promoção somente se obtém por empenho e por amizade, e não por antiguidade que<br />

deveria fazer de cada segundo o herdeiro do primeiro.")<br />

Referindo-se à atitude dos prejudicados em toda nomeação ou promoção de<br />

empistolados, observa Laurence Peter — ao propor uma nova ciência social que chama de<br />

Hierarquiologia — que, em qualquer hierarquia, os empregados não se importam realmente<br />

com a incompetência. O Paradoxo de Peter consiste nisso que se contentam de fofocar, a<br />

fim de esconder sua inveja do colega empistolado: é a justiça imanente das coisas.<br />

De novo volvamos à questão inicial: a que atribuir as características de ineficiência<br />

que configuram o monstro antediluviano da administração barroca? Por que se manifesta,<br />

no Brasil, a patologia burocrática pela presença de milhões de funcionários de quem se<br />

poderia dizer, parafraseando Churchill, que "nunca tantos fizeram tão pouco, tão mal?"<br />

Qual a causa, se causa justificável existe, dessa incapacidade verdadeiramente inspirada que<br />

revelamos para a administração — uma incapacidade cuja explicação em termos históricos<br />

ou sociais não nos parece esgotar a matéria? Eficiência exige previsão, método cartesiano,<br />

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