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O Dinossauro - Ordem Livre

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história do pensamento humano em que se poderia, com menor hesitação, relacionar as<br />

construções teóricas de um pensador com seus problemas íntimos. O genebrino queixou-se,<br />

certa vez: "Não aprendereis jamais que se deve explicar os discursos de um homem pelo<br />

seu caráter, e não seu caráter pelos seus discursos?" No caso, a alternativa é particularmente<br />

ambígua: a maior parte do que podemos inferir sobre seu temperamento e caráter originase,<br />

justamente, do que escreveu, de todo o material hagiográfico, abundantemente lacrimoso<br />

e soluçante, que deixou de si próprio e graças ao qual tem sido possível à posteridade<br />

empenhar-se numa discussão volumosa e contraditória sobre sua personalidade. Nesse<br />

debate, uns elogiam e compreendem, com simpatia, sua vida e obra. Outros não têm<br />

hesitado em acusá-lo de hipócrita, impostor, comediante, neurótico, chato, mentiroso,<br />

mascarado e pervertido.<br />

Ainda em vida, nosso herói tornou-se uma figura eminentemente problemática.<br />

George Sand o chamou de Santo Rousseau. Em seu favor recebeu os elogios de homens<br />

ilustres como Kant, Schiller e Tolstoi. Schiller chegou mesmo ao ponto de considerá-lo<br />

"uma alma como a de Cristo"! Tolstoi levava um medalhão de Rousseau ao pescoço e,<br />

como seu herói, acreditava "nunca haver encontrado um único homem moralmente tão bom<br />

quanto eu". O farisaísmo romântico do russo não está na retaguarda do do francês. Bergsonreconheceu<br />

que "nenhuma obra na literatura exerceu uma influência comparável à de Jean-<br />

Jacques Rousseau". Lord Acton acreditou que a pena de Rousseau "produziu maiores<br />

efeitos que a de Aristóteles, ou de Cícero, Sto. Agostinho ou S. Tomás de Aquino". E, mais<br />

recentemente, o antropólogo Lévi-Strauss teceu salmos de louvor estruturalista ao grande<br />

sofista.<br />

Diderot, porém, que fora seu amigo, o descreveu como "falso, vaidoso como Satã,<br />

ingrato, cruel, hipócrita e malicioso". Uma de suas aristocráticas namoradas, desiludida,<br />

qualificou-o de "anão moral, montado sobre pés de pau". Hume, que o protegera no exílio<br />

na Inglaterra, não tardou em qualificá-lo de "monstro que se considera a pessoa mais<br />

importante do mundo". Grimm, outro velho amigo, acabou detestando-o. E Voltaire, com<br />

quem manteve uma célebre querela, chamou-o de "vagabundo malicioso, malandro<br />

insolente, cão bastardo de Diógenes, monstro de vaidade e baixeza". A ferocidade dos<br />

ataques e das defesas não encontra paralelo na biografia de qualquer outro filósofo.<br />

J. H. Huizinga publicou, recentemente, um estudo interessante e profundamente<br />

irônico para descrever como o processo hagiográfico, que se formou à sua volta, tende a<br />

transformá-lo em uma espécie de santo profeta da democracia liberal de esquerda, a<br />

democracia de massas, a democracia igualitarista. O próprio Huizinga explica o mistério da<br />

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