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O Dinossauro - Ordem Livre

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Ao comparar a filosofia com a medicina — uma constante do pensamento<br />

platônico — Sócrates afirma que o conhecimento e a sabedoria que se adquire pela<br />

educação constituem o "alimento da alma". Aretê e epistemê, virtude e conhecimento, são<br />

os valores solidários que se condicionam um ao outro, e que o médico da alma, o<br />

psicoterapeuta, procura introduzir no paciente para curá-lo da enfermidade do pseudos<br />

sofismático. A dialética transforma-se no método adequado à persecução da Verdade,<br />

substituindo a technê ou arte retórica do sofista, que nada mais é que a ciência social ou a<br />

antropologia substancialmente ideológica. Protagoras torna-se o tipo do professor de ciência<br />

social, antropologia ou filosofia política, de uma ciência e uma filosofia utilitarista e<br />

desprovida de critérios de valor. Pela boca de Sócrates, afirma Platão não acreditar que o<br />

mero engenho humano, por mais agudo e brilhante que pareça, seja capaz de cuidar das<br />

almas e tornar os homens bons. Aretê é um dom dos deuses. É uma Graça ou um Carisma.<br />

E nessa tese mistura Sócrates o sólido realismo de sua ironia e de sua lógica, com a visão<br />

mística que caracteriza a inspiração de seu famoso daimon.<br />

No final do diálogo, o filósofo será bem sucedido ao revelar a verdadeira ação de<br />

todos os sofistas ali reunidos, em conferência na casa de Callias, a começar pelo próprio<br />

Protágoras — que não são senão reles demagogos, reduzidos ao mesmo nível dos hoi<br />

polloi, da multidão cafajeste que é facilmente seduzida e iludida com belas palavras ocas.<br />

Pois se o argumento de Sócrates visa a identificar o conhecimento com a virtude, é preciso<br />

distinguir o verdadeiro conhecimento da Ideia do Bem, da erudição superficial e material<br />

que impressiona mas não educa, nem cria nada de novo e de sólido. O diálogo termina<br />

dramaticamente em torno da contradição que se forma nessa tese: afirmada e negada ora<br />

por um, ora por outro, Sócrates e Protágoras — a Tese é a de que a virtude pode ser<br />

ensinada. A contradição é da essência de toda filosofia dialética. No epílogo ocorre, de fato,<br />

uma reversão de posições. E Sócrates afirma que todas as coisas são conhecimento, a<br />

justiça, a sábia moderação e a coragem, numa dialética que serviria para o aprofundamento<br />

da questão da virtude que pode ser ensinada.<br />

O valor perene da filosofia de Platão reside nisso que o pensamento ocidental<br />

sempre a ela recorre para a solução de questões vitais no correr dos séculos. Por isso usei as<br />

categorias platônicas em meu livro O Brasil na Idade da Razão, para descrever a Magia da<br />

Palavra que nos empolga como "uma sobrevivência da mentalidade primitiva" de que falava<br />

Artur Ramos. Estamos ainda no estágio primário de cultura em que o sofista é rei. O nosso<br />

sofista é mero comentarista pedante do pensamento estrangeiro, que sabe repetir mas não<br />

sabe julgar. A lectio e a relectio dos autores consagrados além-mar lembram o método de<br />

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