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O Dinossauro - Ordem Livre

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segundo corria, nem era mesmo brasileiro: nascera no sul da Itália, ou na Apúlia mais<br />

precisamente. Um legítimo Cagliostro (Cagliostro, o mais famoso de todos os picaretas do<br />

século XVIII, que conseguiu até mesmo ludibriar a Goethe). Certa vez, esse charlatão dos<br />

pobres mostrou-me com orgulho, por ocasião do Natal, o resultado de sua "esfalfante"<br />

atividade em benefício da "eficiente promoção comercial brasileira em França": era uma<br />

sala da Chancelaria no boulevard Montaigne, apinhada de lindos pacotes, bem embrulhados<br />

com cordão verde-amarelo. Caixas de marrons-glacés que se destinavam a todos os seus<br />

protetores brasileiros — políticos, deputados, generais, ministros, jornalistas, empresários,<br />

membros da Academia Brasileira de Letras, toda aquela vasta e poderosa clientela graças à<br />

qual mantinha, ano após ano, a sua permanência em Paris como Maquereau, ou alcoviteiro<br />

de alto coturno.<br />

Estou certo de que tipos dessa ordem existem e experiências como a minha<br />

ocorrem em todas as partes do mundo. O burocrata espertalhão é figura familiar em<br />

qualquer lugar ou nação. O que é peculiar à vida política e administrativa brasileira é a<br />

frequência singular do aparecimento de finórios desse tipo que, graças às suas técnicas<br />

sicofânticas imensamente refinadas de cordialidade e prestação de serviços pessoais,<br />

conseguem galgar os mais altos escalões da hierarquia do Estado.<br />

* * *<br />

Há mais de 50 anos (1931), o conde Hermann von Keyserling visitou-nos no<br />

decurso de uma viagem "filosófica" à América do Sul, no gênero das que costumava<br />

realizar. Dessa visita surgiu a obra Meditações sul-americanas. O livro é imperdoavelmente<br />

esquecido e até hoje não foi publicado em português. Keyserling quase desaparece,<br />

injustamente, do rol dos grandes pensadores do século. É curioso notar, entretanto, que<br />

algumas das observações que fez sobre nosso país ainda são absolutamente válidas e<br />

constituem, em certos casos, algo do que de mais profundo se tem dito sobre nossa cultura<br />

em gestação e sobre nosso "caráter nacional". Tais observações às vezes coincidem de<br />

modo admirável com as do Retrato do Brasil, de Paulo Prado (1928), e Raízes do Brasil, de<br />

Sérgio Buarque de Hollanda (1936) — o que me leva a crer que tenha apreciado longas<br />

conversas com aqueles estudiosos de nossa psicologia coletiva, quando Keyserling passou<br />

por São Paulo. Aqueles autores eram então jovens e já brilhantes. Provavelmente, foi de tais<br />

tertúlias que explodiram algumas das intuições presentes nos três livros mencionados.<br />

Há um ponto que merece nosso especial interesse. Keyserling, que era de nobreza<br />

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