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O Dinossauro - Ordem Livre

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declarar. Do lado italiano, que desordem, que barulho, que teatro! A fila enorme de carros<br />

crescia, enquanto uma dúzia de homens jocosos, desordeiros e trapalhões examinava toda a<br />

papelada, fazia perguntas irrelevantes sobre Pelé e o futebol brasileiro, se atrasava nos<br />

inúmeros vistos e carimbos e complicava as formalidades — todo o espetáculo histriônico<br />

acompanhado de exuberante alegria, carabinieri com bicornes de penas multicores, ópera,<br />

música, o sole mio... Havia uma atmosfera inconfundível de prolífica desordem meridional,<br />

contrastada imediatamente com o macambúzio metodismo helvético. Lembrei-me da<br />

célebre resposta do guia do Vaticano à pergunta intrigada de Goethe: "per capire queste<br />

cose in Itália c'e bisogno un po' di confusione..."<br />

O sonho barroco espanhol paternalista, proposto por Barzini, representaria uma<br />

situação mental que apresenta certa extensão regional e possui provavelmente explicações<br />

psicológicas paralelas em toda a área do Mediterrâneo e do Atlântico Sul. Un po' di<br />

confusione seria um fenômeno suscetível de exame sob o prisma da "latinidade".<br />

Poderíamos acentuar que, como "latinos", herdamos certas características de índole<br />

favoráveis à proliferação de burocratas ineficientes, mantendo-nos teimosamente no estágio<br />

do patrimonialismo tradicional, muito embora se considerem modernizadores segundo as<br />

técnicas do pombalismo redivivo.<br />

Na Espanha, já em princípios do século passado, um famoso jornalista, um dos<br />

primeiros "colunistas" da imprensa ibérica, Mariano José de Larra, falava da preguiça<br />

burocrática como uma das características espanholas: "Vuelva usted mañana"... Goya<br />

ilustrou com burros a burrice da administração, na sua famosa coleção de desenhos "Los<br />

Caprichos". Fernando Diaz-Plaja coloca hoje a preguiça, juntamente com o orgulho e a<br />

luxúria, entre os mais graves dos "sete pecados capitais" do espanhol. O mañana a tal ponto<br />

se identificou psicologicamente com a Espanha e a América Latina que, para os norteamericanos<br />

preocupados com eficiência e urgência, a expressão de certo modo descreve<br />

todo o modo de vida coletivo de nosso continente. O continente do amanhã... No Brasil, a<br />

fórmula burocrática do mañana é "nunca faças hoje aquilo que podes fazer amanhã". Nunca<br />

tomes agora a decisão que não possa ser mais amadurecida depois. Nunca despaches o<br />

processo que pode ser despachado pelo colega ou o superior hierárquico. Nunca resolvas no<br />

momento o assunto desse "interessado" que voltará mais tarde, mesmo de Madureira ou<br />

Caxias ou São Bernardo do Campo ou Ceilândia... "Até logo" quer dizer "até depois", "até<br />

mais tarde", "até nunca"...<br />

O comentarista espanhol desenvolve outras teses que se aplicam facilmente ao<br />

nosso caso, confirmando a presunção de que possui o fenômeno em causa uma extensão<br />

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