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O Dinossauro - Ordem Livre

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fabulosa do paraíso tropical. Há um trecho célebre em seus Ensaios em que procura<br />

reabilitar os canibais e provar que os animais são mais humanos que os homens. Sobre os<br />

índios escreve ele: "... leur âme, déchargée de toute passion et pensée et occupation tendue<br />

ou deplaisante, comme gens qui passent leur vie en une admirable simplicité et ignorance,<br />

sans lettres, sans loi, sans roi, sans religion quelconque." As viagens de Swift, na pessoa de<br />

Gulliver, ilustram a extensão da crítica das condições reinantes num mundo já alcançado<br />

pelo espírito voltairiano, sendo que as figuras de animais foram frequentemente utilizadas<br />

com esse propósito, como o fizeram La Fontaine e o próprio Swift. Na falta de animais de<br />

quatro patas, serviam os índios para o efeito procurado. Processava-se uma projeção<br />

sentimental para a utopia retrógrada da Idade de Ouro: não um Paraíso Perdido miltoniano<br />

como o dos Puritanos calvinistas, mas uma fantasia nostálgica e erótica de reabsorção no<br />

colo amante e terno da Magna Mater telúrica. As Isles flottantes de Morelly oferecem um<br />

exemplo da utopia nesse espírito de nudismo tropical e liberdade sexual que dominou a<br />

época (e domina a nossa...). Rousseau teve a capacidade de formalizar o mito em teoria. E a<br />

teoria tornou-se uma tremenda ideia-força. Sem duvida, estava reagindo contra o extremo<br />

racionalismo de sua época e servindo de veículo intelectual para uma descarga emocional<br />

de conteúdos psíquicos coletivos longamente reprimidos pela austera educação da Reforma<br />

e da Contra-Reforma. "Exister pour nous, c'est sentir" — eis seu desafio mortal ao cogito,<br />

ergo sum cartesiano e ao "Método para bem conduzir o pensamento"... O homem que pensa<br />

seria para ele um animal depravado.<br />

Como ponto de partida para suas cogitações frenéticas, Rousseau argumentou que,<br />

por motivos econômicos, os homens não necessitavam uns dos outros no estado de<br />

natureza: cada um podia satisfazer os seus desejos por si próprio. Não existem<br />

desigualdades naturais, nem obstáculos à absoluta liberdade. Também, contrariamente a<br />

Hobbes, a paz seria o estado originário do homem, a guerra só aparecendo após se haver<br />

tornado um cidadão, um burguês, um habitante civilizado de uma cidade. Em seu Discurso<br />

sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens, procura Rousseau<br />

sustentar esses preconceitos, argumentando no sentido de que a anatomia comparada indica<br />

ter sido nossa espécie, originariamente, um bípede frutívoro. Ora, a antropologia moderna<br />

inclina-se fortemente para a tese de que o Pitecântropo foi, não frutívoro, mas carnívoro.<br />

Essa discrepância é interessante como demonstração de diferenças de pontos de vista,<br />

mesmo em ciências que se pretendem objetivas, imparciais e desprovidas de critérios de<br />

valor. Cabe notar, nesse particular, que o inimigo de Rousseau, Diderot, por ódio à Igreja,<br />

também propugnava a ideia da bondade natural do homem, considerando o Pecado Original<br />

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