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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Em suma, não querendo cair no simplismo de rotular as novas tecnologias como<br />

agentes determinantes da mudança econômica ou sociocultural 98 , ou mesmo que se afirme,<br />

com Castells (2003), que o dilema do determinismo tecnológico é infundado porque “a<br />

tecnologia é a sociedade”, não há uma receita simples para compreender as trajetórias da<br />

ciência e da tecnologia na sociedade. Uma análise dos fenômenos sociotécnicos baseada nas<br />

visibilidades de como a tecnologia “impacta” e muda a vida das pessoas é parcial e corre o<br />

risco de jogar sobre a técnica uma luz que a mostra como se fosse neutra, independente da<br />

opção política, produzida quase que externamente à sociedade com base numa inspiração<br />

inventiva ou na concatenação interna dos raciocínios científicos e técnicos 99 . Por outro lado,<br />

procurar no trajeto sociotécnico os traços de uma determinação econômica direta e linear<br />

significa olhar para a <strong>tecnociência</strong> através de um filtro que só permite visibilizar alguns<br />

processos 100 .<br />

O debate sobre determinismo tecnológico é complexo e articulado numa imensa<br />

bibliografia (veja, entre outros, Bijker et al., 1987; Bucchi, 2002: cap. 5; Collins e Pinch,<br />

1995; Dagnino, 2004; Hughes, 1994; Marx e Smith, 1994; Rosenberg, 1974 e 1982; Leite,<br />

2005: cap. 1). Não pretendo aprofundá-lo aqui, apenas problematizá-lo. Ao mapear a tectônica<br />

da <strong>tecnociência</strong>, não procuro encontrar linhas de causa-efeito, fatores preditores de certa<br />

trajetória técnica, eventos que determinaram alguma contingência tecnológica, ou elementos<br />

que sinalizam o impacto das tecnologias na economia e nas práticas sociais. Meu objetivo é<br />

tornar visíveis alguns eixos, feixes de relações, processos e territórios específicos onde o<br />

única restrição de que essas idéias pertencem a uma categoria particular (idéias técnico-científicas)”. Para uma<br />

panorâmica das interpretações (deterministas ou não) do pensamento marxista sobre o papel da ciência e tecnologia,<br />

veja-se, por exemplo, Dagnino (2004). Para uma discussão epistemológica sobre a teoria da ciência no marxismo,<br />

Barletta (1976). Sobre o interessantíssimo debate, na década de setenta, no qual físicos marxistas heterodoxos<br />

criticaram a dicotomia entre ciência e ideologia, veja Ciccotti, Cini et. al, 1976.<br />

98 Veja, por exemplo, a crítica de Lopes (2008).<br />

99 Entre as mais radicais versões do determinismo tecnológico, há a famigerada explicação com a qual White (1962)<br />

conclui seu livro sobre a origem do feudalismo a partir da invenção do estribo: “Poucas invenções foram tão simples<br />

como o estribo, mas poucas tiveram uma tão catalítica influência sobre a história. <strong>As</strong> necessidades de um novo modo de<br />

fazer guerra que o estribo tornou possível encontraram sua expressão numa nova forma da sociedade européia<br />

ocidental, uma sociedade dominada por uma aristocracia de guerreiros dotados de terras” (trad. minha). Hoje a tese de<br />

White é rejeitada pela maior parte dos estudiosos. No entanto, enunciações deterministas são extremamente difusas<br />

culturalmente, e gozam de certo apoio (a imprensa teria “permitido” o surgimento da ciência moderna?<br />

Eletrodomésticos e anticoncepcionais desencadearam a emancipação feminina?). Exemplos clássicos de determinismo<br />

tecnológico em âmbito acadêmico são as teses de Marshall McLuhan sobre a possibilidade de a tipografia ter<br />

desencadeado, entre outras coisas, o surgimento da perspectiva nas artes figurativas, o individualismo, os meios de<br />

incentivar a propriedade privada, a Revolução Francesa.<br />

100 É deste teor, por exemplo, a crítica que Robert Merton (1938) faz a quem imagina uma relação de tipo determinista<br />

entre o desenvolvimento econômico na Inglaterra do século XVII e a progressiva institucionalização da prática<br />

científica. Fatores socioculturais importantes e diversos, defende Merton, estão em ação na gênese da ciência moderna.<br />

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