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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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impacto emocional – tais como o desastre nuclear em Chernobyl ou as trágicas mortes<br />

causadas na Europa pela BSE 212 – buscam associar os OGMs a “erros da ciência”. Monstros,<br />

quimeras e alusões ao Dr. Frankenstein não faltam.<br />

No outro lado da barricada, as corporações farmacêuticas não ficam assistindo. Juntam<br />

dez milhões de Euro. Organizam conferências e debates. Enchem os diários com anúncios<br />

pagos. Convencem muitos cientistas a alistar-se e descer no front pró-biotech. E o ativismo<br />

dos pesquisadores muda o desfecho da luta. Porque os cientistas decidem atuar não apenas<br />

protestando com cartas aos jornais ou petições aos políticos. Junto com a indústria biomédica<br />

na coalizão Gen Suisse ou com o lobby industrial Wirtschaftsförderung, biólogos, médicos e<br />

biotecnólogos constroem alianças políticas com o Partido Democrata-Cristão e os partidos da<br />

direita nacionalista. Afirmam que a vitória dos proponentes do referendum implicaria a<br />

destruição de dois mil empregos diretos. Descem às ruas, usando seu jaleco branco, signo da<br />

autoridade epistêmica da ciência e de seu papel social. Fazem passeatas junto com pacientes<br />

de enfermidades genéticas, alguns em cadeiras de rodas. Alguns vencedores do Prêmio Nobel<br />

declaram que o referendum ameaça o futuro da ciência no país 213 .<br />

Finalmente, o próprio governo suíço se declara contra o referendum. Em 7 de junho de<br />

1998, quando o povo suíço vai às urnas, apenas 41% da população decide votar. E, contra as<br />

previsões iniciais, 67% declara-se contra a GPI e a favor das leis em vigor sobre biotecnologia<br />

(Castelfranchi, 2002). Pouco tempo depois, a revista Science escreve: “O envolvimento dos<br />

cientistas na campanha teve um tremendo impacto na opinião pública” (Koenig, 1998; trad.<br />

minha). O próprio presidente da coalizão Gen Suisse reconhece que a vitória deveu-se ao fato<br />

de ter conseguido “deslocar a ênfase da percepção pública da proteção do Homem e seu<br />

ambiente para a proibição da pesquisa e do progresso médico”. E acrescenta: “os fatores<br />

emocionais são importantes”, reconhecendo, no entanto, que o público “é capaz de diferenciar<br />

os problemas, mesmo se não entende os detalhes técnicos. Os cientistas devem estar engajados<br />

no diálogo [...]. O público tem o direito de saber quais são os objetivos das pesquisas<br />

212 A Encefalopatia Espongiforme Bovina (BSE, no acrônimo inglês), popularmente conhecida como doença “da vaca<br />

louca”, causou no final da década de 1980 o abatimento de milhões de cabeças de gado (especialmente na Europa), bem<br />

como a agonia e a morte, trágica e com impacto midiático extraordinário, de uma centena de pessoas (de acordo com as<br />

estimativas mais prudentes), especialmente no Reino Unido. Foi em parte controlada após a descoberta do vetor<br />

causador da doença (não um microorganismo, nem um vírus, mas uma proteína auto-replicante) e da prática industrial<br />

que causou sua difusão (alimentar o gado com farinhas derivadas dos cadáveres de outros animais).<br />

213 O tema de que o “futuro está em jogo” é constitutivo daquele espaço estratificado e heterogêneo que Rabinow<br />

(1999: p. 17-23) chama de “purgatorial”.<br />

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