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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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No capítulo precedente, esbocei um mapa discursivo enfocando alguns dos elementos que – no<br />

entrelaçamento ciência-técnica-capitalismo (um “líquen” discursivo) – contribuem para<br />

constituir a <strong>tecnociência</strong> como dispositivo de inexorabilidade. Um dispositivo cujo caminho é<br />

em grande parte des-politizado, automático, ou cuja direção parece ser deixada com os<br />

especialistas.<br />

Neste capítulo, tratarei da outra face do dispositivo 205 . Dos fluxos e das osmoses que,<br />

na sociedade de controle e na governamentalidade neoliberal, atravessam e afetam a<br />

<strong>tecnociência</strong>. Das zonas heterogêneas onde “encontram-se bioética, grupos de pacientes,<br />

capital de risco, nações e o Estado” (Rabinow, 1999: p. 4, trad. minha), onde “testemunhamos<br />

e nos engajamos em contestações sobre como as tecnologias de recombinação (social e do<br />

corpo) estão alinhadas com as tecnologias de significação” (ibidem, p. 12). Mostrarei como os<br />

pesquisadores estão forçados a ocupar-se de política, ética, mercado de forma mais<br />

“transparente”. E como a política deve ocupar-se – de forma constante, direta, explícita – de<br />

ciência e tecnologia, embora estas tendam a “isolar-se do escrutínio ‘ético e social’, que é<br />

reservado somente a suas ‘conseqüências’” (ibidem, p. 3-4). Mostrarei como cientistas e<br />

tecnólogos interagem cada vez mais com grupos e instituições variados, não somente<br />

prestando contas do que fazem, mas incorporando em suas práticas, em suas heurísticas, em<br />

seu laboratório epistemológico demandas, normas e valores vindos de outsiders:<br />

financiadores, grupos de interesses, ONGs, burocratas (Epstein, 1995). Tratarei de como<br />

acontece que o governo possa intervir para bloquear uma parceria de pesquisa internacional,<br />

com o intuito de impedir que o “DNA Francês” seja entregue aos estrangeiros (Rabinow,<br />

1999). De como um tribunal deve estabelecer se uma teoria pertence ou não à ciência, ou se<br />

um experimento científico pode levar ao fim do planeta Terra. Examinarei quando e por que<br />

205 Latour (1998) também trata de “duas caras” da ciência: as duas faces do deus romano Janus, guardião das entradas e<br />

dos portões. De um lado, há a ciência “em construção”, feita do calor da disputa metodológica e epistêmica, dos fatos<br />

quentes e ainda “moles”. De outro lado, há a face da ciência acabada, resolvida, feita de fatos “duros”,<br />

incontrovertíveis, quando a “caixa preta” é fechada e há um conjunto de dados empíricos, idéias, conceitos aceitos por<br />

todos (Latour, 1998: p. 7 segs.). São, então, duas faces que representam o que a ciência diz antes e depois que uma<br />

controvérsia é resolvida. O aspecto que analiso aqui é outro: o fato de que a “caixa preta” é de vidro. O “antes” e o<br />

“depois” , o “dentro” e o “fora” são pouco relevantes quando a agenda tecnocientífica é dominada por controvérsias<br />

(células-tronco, fontes de energia, aquecimento global, epidemias, aborto...) que não são internas à comunidade mas<br />

atravessadas por afetos advindos de lugares sociais multíplices. O que estudo aqui é o double bind discursivo em que a<br />

<strong>tecnociência</strong> é vista tanto como produção social situada, moldada e decidida coletivamente, quanto como hierárquica –<br />

um conhecimento “alto”, produzido em lugares distantes da cultura “de massa” – e auto-impulsionada (porque sua<br />

marcha depende principalmente de questões técnicas e de fatos empíricos).<br />

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