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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Hoje, especialmente no mundo anglo-saxão, tornou-se evidente uma mudança cultural<br />

profunda no sistema de pesquisa. Normas e valores da ciência acadêmica foram atravessados<br />

por interesses e lógicas advindos do mundo mercantil. Investigadores e cientistas (e seus<br />

departamentos) podem ter interesses econômicos diretos nos resultados das investigações.<br />

Muitas universidades dependem das corporações para o financiamento de suas pesquisas de<br />

ponta, e as empresas precisam cada vez mais recorrer às universidades e às instituições<br />

públicas para garimpar conhecimentos que levem a inovações interessantes.<br />

Se, antes, os cientistas que decidiam ter lucro abriam sua própria empresa e<br />

abandonavam seus cargos acadêmicos, hoje, na área da biotecnologia e da biomedicina, a<br />

maioria dos pesquisadores públicos continua na universidade mesmo trabalhando com as<br />

empresas, o que causa problemas de conflitos de interesses na hora de publicar dados sobre o<br />

funcionamento de novas moléculas ou sobre o impacto ambiental de um novo produto GM<br />

(geneticamente modificado) 75 . Os limites do que era considerado eticamente aceitável se<br />

tornaram mais flexíveis, especialmente no Reino Unido e nos Estados Unidos, até o ponto em<br />

que hoje os cientistas mais produtivos e mais prestigiados (pelos sistemas de medidas em voga<br />

na ciência neoliberal: fatores de impacto e citações) são, nas áreas das ciências da vida,<br />

aqueles que também têm relações mais estritas com as empresas.<br />

Um exemplo já clássico da ruptura é o caso de John Moore. O senhor Moore<br />

denunciou a Universidade da Califórnia quando descobriu que os médicos que o curavam de<br />

um câncer haviam utilizado, sem avisá-lo, parte do material retirado do seu corpo para obter<br />

lucros. Em particular, a partir das células do baço de Moore, os pesquisadores haviam criado<br />

uma linhagem imortal de células (isto é, uma cultura de células que pode ser mantida viva<br />

indefinidamente in vitro) e as haviam patenteado. Em julho de 1990, o Supremo Tribunal do<br />

Estado da Califórnia determinou que, de fato, Moore não possuía direitos de propriedade<br />

75 Multiplicaram-se nos últimos anos os papers mostrando perigosas patologias do sistema científico universitário. <strong>As</strong><br />

pesquisas que devem medir efeitos colaterais e utilidade de novos remédios, por exemplo, tendem a dar resultado<br />

positivo se o financiador é a empresa que produz o remédio. Vice-versa, as pesquisas que não recebem financiamento<br />

de empresas parecem ter mais chances de descobrir que um medicamento não é eficaz ou é perigoso para a saúde. <strong>As</strong><br />

empresas que financiam uma determinada universidade podem impor que as pesquisas produzidas pela universidade<br />

sejam publicadas somente após aprovação da própria empresa. Um caso famoso foi o do Hospital Infantil de Toronto,<br />

que recebeu financiamento da empresa Apotex. A empresa proibiu a publicação de um trabalho da pesquisadora Nancy<br />

Olivieri, que revelava efeitos colaterais e escassa utilidade de uma droga produzida pela mesma empresa. Em 1998, a<br />

Novartis concedeu um financiamento de 25 milhões de dólares à Universidade da Califórnia. Em troca, a empresa tem<br />

prioridade no patenteamento derivado de algumas descobertas da universidade, mesmo em projetos com financiamento<br />

público, e possui representantes no Comitê gestor do Departamento de Biologia. Veja Lander (2005), Castelfranchi<br />

(2006b); Sturloni e Pitrelli (2004).<br />

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