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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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A constituição de um corpus coloca um problema para minhas pesquisas, mas um<br />

problema sem dúvida diferente do da pesquisa lingüística, por exemplo. Quando<br />

queremos fazer um estudo lingüístico, ou um estudo de mito, vemo−nos obrigados a<br />

escolher um corpus [...], a estabelecer seus critérios de constituição. No domínio muito<br />

mais vago que estudo, o corpus é, num certo sentido, indefinido: não se chegará<br />

jamais a constituir o conjunto de discursos formulados sobre a loucura, mesmo<br />

limitando−nos a uma época e a um país determinados. No caso da prisão, não<br />

haveria sentido em limitarmo−nos aos discursos formulados sobre a prisão. Há<br />

igualmente aqueles que vêm da prisão: as decisões, os regulamentos que são<br />

elementos constituintes da prisão, o funcionamento mesmo da prisão, que possui<br />

suas estratégias, seus discursos não formulados, suas astúcias que finalmente não<br />

são de ninguém, mas que são, no entanto, vividas, assegurando o funcionamento e a<br />

permanência da instituição. É tudo isto que é preciso ao mesmo tempo recolher e<br />

fazer aparecer. E o trabalho, em minha maneira de entender, consiste antes em fazer<br />

aparecer estes discursos em suas conexões estratégicas do que constituí−los<br />

excluindo outros discursos (Foucault, MP, 2006: p; 130, grifos meus).<br />

A decisão de gerir um corpus extremamente amplo se deveu também ao fato de que, para<br />

minha análise, o que importava não era tanto definir uma totalidade, um conjunto de textos<br />

coerente, compacto, limitado temporalmente ou geograficamente, quanto marcar um critério<br />

para detectar, evidenciar e selecionar – entre inúmeros enunciados relevantes – aqueles que<br />

eram estrategicamente situados nas interconexões entre os discursos das ciências exatas, da<br />

tecnologia e da legitimação do capitalismo, bem como aqueles em que era evidente a marca da<br />

inevitabilidade e a função estratégica no combate.<br />

Além disso, a escolha de um corpus aberto se tornou também central devido à<br />

exigência de constituir um mapa capaz de revelar estratos e rupturas. Quando um elemento<br />

parecia ser uma versão recombinante de algo que pertencera a um jogo mais antigo, era<br />

de possibilidade para o discurso sejam aquelas dadas no interior da governamentalidade neoliberal, que descrevi no<br />

capítulo anterior, estudo aqui não tanto uma epistémê, um a priori histórico. O mapa tectônico que pretendo produzir<br />

não é um mapa arqueológico porque deve incluir também efeitos e afetos que Foucault considera “de superfície”,<br />

ligados a elementos e embates que ele chamaria de “doxológicos”. Meu objeto aqui não são somente as condições de<br />

possibilidade da <strong>tecnociência</strong> neoliberal, mas também a forma/acontecimento (Rabinow, 1999b: p. 171 segs) que o<br />

entrelaçamento assume na atualidade. Busco ainda entender de onde surgem seus efeitos de inexorabilidade, como<br />

funciona sua capacidade de rejeitar enunciados alternativos, de invisibilizar o conflito, de tornar-se quase que o único<br />

discurso pronunciável. Para fazer isso, é preciso captar – não somente num nível arqueológico – o embate retórico das<br />

opiniões, as armas literárias usadas para desqualificar o discurso antagônico, para despolitizar e universalizar o<br />

progresso. Os elementos “doxológicos” são, portanto, indícios importantes da dinâmica atual.<br />

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