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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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características internas, suas contingências, sem reduzi-la a um sistema cujo funcionamento é<br />

programado e determinado de forma unívoca pela “lógica do capital”, ou pela<br />

“racionalização”, o “desencantamento do mundo” ou, ainda, por um funcionamento<br />

supostamente automático e “fora de controle” da megamáquina sociotécnica.<br />

O acontecimento não é o mero acaso. Não é um truque para livrar-se das causas<br />

históricas, das relações de dominação, nem uma complacência para com o irracionalismo. Não<br />

é a fuga da busca de inteligibilidade, mas, ao contrário, um outro princípio de inteligibilidade.<br />

O acontecimento é algo que ocorre mas que, dadas as condições históricas ou sócio-<br />

econômicas, não era óbvio que ocorresse daquela maneira.<br />

A acontecimentalização [événementialisation], diz Foucault (1994, Vol. IV: p. 23),<br />

serve para recobrar as conexões, os encontros, os bloqueios, os jogos de força que, em um<br />

momento dado, formaram o que em seguida vai funcionar como evidência, universalidade,<br />

necessidade. Não se trata, em suma, de negar a existência de causas, mas de operar uma<br />

“espécie de multiplicação causal”, construir em torno de um evento um “poliedro de<br />

inteligibilidade” (Ibidem, p. 24) e tornar visíveis os processos múltiplos que tornaram possível<br />

uma determinada ruptura na história (veja também Burchell, Gordon e Miller, 1991: p. 78<br />

segs):<br />

O que se deve entender por “acontecimentalização”? [...]. Ali onde se estaria bastante<br />

tentado a se referir a uma constante histórica, ou a um traço antropológico imediato<br />

[...], trata-se de fazer surgir uma “singularidade”. Mostrar que não era “tão necessário<br />

assim”; não era tão evidente que os loucos fossem reconhecidos como doentes<br />

mentais; não era tão evidente que a única coisa a fazer com um delinqüente fosse<br />

interná-lo [...] etc. Ruptura das evidências, essas evidências sobre as quais se apóiam<br />

nosso saber, nossos consentimentos, nossas práticas. Tal é a primeira função teórico-<br />

política do que chamaria “acontecimentalização”. (Foucault, 2003: p.339)<br />

Analisar, como farei nos próximos capítulos, os estratos discursivos da <strong>tecnociência</strong> e suas<br />

práticas atuais, em termos de acontecimentos, significa problematizar objetos e conceitos que<br />

se tornaram auto-evidentes, universais, necessários (o “progresso”, o “desenvolvimento”, a<br />

aceleração). Isso significa que olharei para a <strong>tecnociência</strong> como uma singularidade, um fato a<br />

ser registrado, um evento que apareceu sem uma razão exata unívoca no fluxo da história?<br />

Não. Significa buscar a gênese da <strong>tecnociência</strong> sem recorrer a princípios de inteligibilidade<br />

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