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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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como o capital consegue direcionar e dominar a produção de conhecimento científico, mas um<br />

exemplo, mais em geral, da “constituição mútua entre ciência e ordem social” na atualidade,<br />

da “produção conjunta da ordem social e natural” (Jasanoff, 2004), das complexas reações e<br />

retroalimentações da própria ciência sobre o funcionamento do governo e do capital 51 .<br />

Venter resume parte de uma reconfiguração geológica e tectônica (isto é, moldada a<br />

partir de re-uso, deformação, fragmentação, fusão de elementos preexistentes), constituída de<br />

forma substancial a partir da modulação efetuada, para utilizar um conceito de Michel<br />

Foucault, no interior de uma “governamentalidade” neoliberal. Em S. Clemente, um<br />

acontecimento no séc. XI (o incêndio da igreja) configurou uma ruptura: a perda de parte das<br />

estruturas, das pinturas, das simbologias, a instabilidade estrutural do conjunto arquitetônico e,<br />

posteriormente, o esquecimento da existência da própria igreja. Ao mesmo tempo, o que restou<br />

da igreja inferior serviu de infra-estrutura para a nova igreja que surgiu, re-usando os mesmos<br />

materiais, as mesmas histórias, fábulas e lendas, uma simbologia em parte contígua, mas re-<br />

inventada a partir do ethos e da racionalidade de uma nova época.<br />

A <strong>tecnociência</strong> deve muito, em seu funcionamento epistêmico e em suas normas<br />

sociais, à ciência galileana e ao capitalismo industrial, mas reutiliza elementos destes no<br />

contexto de um novo acontecimento (a governamentalidade neoliberal) para constituir um<br />

dispositivo mutante em que convivem técnicas e táticas de governo, regimes de produção,<br />

apropriação e validação do conhecimento diferentes, em atrito entre si.<br />

Por isso, o funcionamento da produção de conhecimento científico, seja nos processos<br />

epistêmicos, seja nos organizacionais, deve sua modulação tanto à “lógica do capital” e às<br />

trajetórias econômicas, quanto a uma fisiologia interna, à própria axiomatização da ciência e<br />

da tecnologia. A dinâmica do crescimento na produção de conhecimento científico é um<br />

exemplo. Se, por um lado, o crescimento, a aceleração e a expansão são intrínsecos à<br />

valorização do valor no capitalismo, o crescimento da ciência não pode só ser explicado como<br />

reflexo das necessidades do capital. A produção de conhecimento científico mostrou<br />

51 Estou consciente de que tratar a <strong>tecnociência</strong> como dispositivo recombinante, como um agenciamento de mercado,<br />

ciências e técnicas, implica, de um ponto de vista marxista, uma confusão de níveis, um achatamento das diferenças<br />

hierárquicas entre a esfera econômica e a cultural. Porém, mesmo quem admita que a ciência, enquanto produção<br />

cultural, deve ser analisada num nível ideológico, percebe que ela constitui sem dúvida uma super-estrutura muito<br />

especial. Gramsci, por exemplo, escrevia: “na realidade, também a Ciência é uma superestrutura, uma ideologia. É<br />

possível dizer, contudo, que no estudo das superestruturas a Ciência ocupa lugar privilegiado, pelo fato de que a sua<br />

reação sobre a estrutura tem um caráter particular, de maior extensão e continuidade de desenvolvimento, notadamente<br />

após o século XVII” (Gramsci, Antonio. A Concepção Dialética da História. Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira,<br />

1991).<br />

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