10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

capacidades, congênitas ou adquiridas. É este tipo de capital humano que o trabalhador investe<br />

no mercado (de trabalho), extraindo disso seu lucro em forma de salário. Em suma, o<br />

trabalhador não é mais visto como proletário ou como empregado dependente de uma<br />

companhia, mas é tratado – e em muitos casos ele próprio se vê – como capitalista,<br />

profissional autônomo ou, nas palavras de Foucault, como entrepreneur de lui-même: um<br />

“empresário de si mesmo” (Foucault, NB: Aula 14 de Março: p. 221 seg.).<br />

O capital humano que este empreendedor administraria se compõe de duas partes. A<br />

primeira é física, genética, inata. A outra é adquirida ao longo da vida, constituída não só pelas<br />

profissionalidades clássicas, mas por tudo quanto é fruto do “investimento” do indivíduo em<br />

buscar estímulos, elementos culturais e sociais que possa colocar no mercado (e em seu CV):<br />

boa saúde e forma física, boa aparência, educação, urbanidade, capacidade “de liderança”,<br />

“inteligência emocional”, criatividade. Até amores e afetos podem fazer parte da esfera dos<br />

investimentos, com custos e benefícios. Tal investimento em capital humano só pode ser<br />

constante, incansável e perdurável ao longo da vida profissional: dá-se por meio daquele<br />

aprendizado continuado, daquela escola que nunca acaba em que a flexibilização colocou<br />

forçosamente quase todos os trabalhadores (criando o mercado infinito dos cursos de<br />

atualização profissional, dos MBA, da pós-graduação latu sensu).<br />

Uma vez que tal racionalidade se instala no ethos dos administradores, na prática de<br />

políticos e empresários 125 e é interiorizada pelo trabalhador, este último passa a se ver cada<br />

vez menos como sujeito explorado, antagônico ou em posição qualitativamente diferente com<br />

respeito ao capitalista. O trabalhador assalariado começa a perceber-se como alguém igual,<br />

substancialmente, ao capitalista, a não ser por uma questão de grau, de quantidade de capital à<br />

disposição. O trabalhador passa a ter seu próprio capital (humano) e a ver seu fracasso ou<br />

sucesso econômico em termos de bons ou maus investimentos, de capacidade de extrair maior<br />

ou menor mais-valia deste capital. (Foucault, NB: p. 232; Lemke, 2001).<br />

Neste contexto, até mesmo os comportamentos que, numa sociedade baseada<br />

principalmente nas disciplinas, eram geridos como sendo anormais, agora se inserem num<br />

contexto de cálculo econômico. O criminoso é um indivíduo racional que, baseado num<br />

cálculo específico do que tem a perder ou a ganhar, escolhe determinadas condutas na violação<br />

da lei: ele investe, espera um determinado lucro de suas ações e corre determinados riscos,<br />

125 Para uma análise aprofundada tanto da teoria do capital humano quanto de sua influência no ethos dos executivos,<br />

veja o excelente trabalho de López-Ruiz (2007).<br />

122

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!