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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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definição rigorosa, já em Vigiar e Punir. Numa entrevista, em 1977, o filósofo situa assim o<br />

conceito de dispositivo:<br />

Tento demarcar, em primeiro lugar, um conjunto decididamente heterogêneo que<br />

engloba discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões<br />

regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições<br />

filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do<br />

dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes elementos<br />

(Foucault, 2006, MP: p. 244) 134 .<br />

Uma primeira característica do conceito de dispositivo, então, é que em sua constituição se<br />

juntam elementos que Foucault havia mantido separados em seus primeiros trabalhos,<br />

denominando-os de discursivos e não-discursivos. Uma segunda característica é que o<br />

dispositivo é um dispositivo de poder. Funciona graças ao jogo e à osmose entre instituições e<br />

práticas, enunciados e princípios científicos, regulamentos e medidas. Saber e poder, efeitos de<br />

verdade e técnicas de dominação se entrelaçam e co-constituem num dispositivo:<br />

É isto, o dispositivo: estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e<br />

sendo sustentadas por eles. Em <strong>As</strong> Palavras e as Coisas, querendo fazer uma história<br />

da epistémè 135 , permanecia em um impasse. Agora, gostaria de mostrar que o que<br />

chamo de dispositivo é algo muito mais geral, que compreende a epistémè. Ou<br />

melhor, que a épistémè é um dispositivo especificamente discursivo (Foucault, 2006,<br />

MP: p. 246) 136 .<br />

No conceito de dispositivo, a dicotomia discursivo/não discursivo torna-se multiplicidade,<br />

agenciamento. O dizível e ou visível, ou as “curvas de visibilidade” e “de enunciação”, como<br />

comenta Gilles Deleuze, fazem parte do dispositivo:<br />

134 Em outros momentos, Foucault (apud Rabinow e Dreyfus, 1995: p. 134-135) explica que o dispositivo atua como<br />

algo capaz de constituir e organizar os sujeitos. A gênese do conceito está ligada a uma pergunta: como localizar e<br />

compreender um conjunto de práticas coerentes que organizam a realidade social quando não se pode recorrer ao<br />

sujeito que a constitui, a leis objetivas ou ao tipo de regras? Dispositivo, diz Foucault, é uma tentativa inicial de<br />

nomear, ou pelo menos, de apontar o problema.<br />

135 Aqui deixei a versão usada em Microfísica do Poder. No entanto, no resto deste trabalho utilizarei, para o termo<br />

foucaultiano, a grafia que foi escolhida na a versão brasileira de <strong>As</strong> Palavras e as Coisas (Foucault, 2002, PC):<br />

epistémê. Sobre o conceito de epistémê, veja Foucault (2002, PC, prefácio).<br />

136 E, ainda: “Eu definiria epistémè como o dispositivo estratégico que permite escolher, entre todos os enunciados<br />

possíveis, aqueles que poderão ser aceitáveis no interior [...] de um campo de cientificidade, e a respeito de que se<br />

poderá dizer: é falso, é verdadeiro” (Foucault, 2006, MP: p. 247).<br />

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