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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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discurso nativo. Um pesquisador entrevistado em seu laboratório, um político ao telefone, um<br />

empresário em seu escritório, fornecem rastros importantes, porém diferentes dos que, por<br />

exemplo, deixariam à mostra no palco midiático. Analisar o corpus dos discursos públicos<br />

permite detectar afetos e efeitos específicos. O fluxo midiático transporta, transpõe e remonta<br />

a enunciados politicamente significativos, produzidos para a luta pública e que na luta se<br />

aquecem, se moldam e reformulam. <strong>As</strong> relações de poder e os regimes de veridicção são<br />

visíveis de uma maneira peculiar no discurso público: uma coletiva de imprensa, uma<br />

audiência parlamentar, um processo no tribunal, uma press-release são lugares onde aparecem<br />

enunciados preciosos, porque freqüentemente conectados com falhas e interstícios<br />

conflituosos da <strong>tecnociência</strong>.<br />

A <strong>tecnociência</strong> não nasce inexorável. É no discurso público que ela demarca seus<br />

confins; defende suas especificidades; recruta seus operários e seus soldados; mobiliza<br />

efeitos de inevitabilidade e neutralidade e separa os discursos permitidos dos que são<br />

irracionais, falsos, contrários ao cálculo e à razão, que violam a eficiência ou a verdade. No<br />

discurso – e pelo discurso – é que a <strong>tecnociência</strong> tenta tornar-se indiscutível.<br />

Além disso, estudar tais elementos discursivos permite tornar visível sua potência<br />

combinatória: o que é novum para a ciência se cruza com o que é inovação para o capital; a<br />

imagem do progresso numa esfera acaba contagiando, e legitimando, uma narração<br />

progressiva e cumulativa em outros espaços. A narrativa da objetividade do conhecimento<br />

produzido no laboratório é reciclada e aproveitada (como nos palimpsestos de S. Clemente)<br />

para fornecer efeitos de inexorabilidade ao discurso do capital.<br />

Pelas razões acima, o problema de como constituir meu universo de análise era de<br />

difícil solução. Decidi, após uma série de experimentos 146 , que a melhor construção para meu<br />

corpus era de tipo dinâmico e aberto. Decidi mergulhar no fluxo interativo, em tempo real, que<br />

a <strong>tecnociência</strong> cria e pelo qual é a cada instante reproduzida. Escolhi observar o auto-retrato<br />

em movimento do dispositivo. Em parte, a decisão seguiu uma concepção foucaultiana 147 :<br />

146 Em outros trabalhos, examinei o discurso da <strong>tecnociência</strong> neoliberal por meio da análise de conteúdo, ou<br />

aproveitando dados sobre a percepção pública da C&T vindo de entrevistas e surveys (Vogt et al., 2005). Como<br />

integrante de uma rede iberoamericana (OEI-RICYT-FECYT) de indicadores de percepção social da C&T, elaborei<br />

propostas metodológicas para investigar tais dimensões. Já explorei também o imaginário infantil sobre a ciência e a<br />

figura do cientista, por meio da análise de desenhos e das histórias narradas pelas crianças num contexto de grupos<br />

focais (Castelfranchi et al. 2006; Castelfranchi et al., 2008).<br />

147 É importante, porém, fazer ressalvas. Se, por um lado, é claro que parte do trabalho que faço sobre o discurso da<br />

<strong>tecnociência</strong> se inspira em conceitos formulados por Foucault (PC, AS, OD), vale a pena ressaltar que, como será<br />

evidente no decorrer do texto, o que faço aqui não é, a rigor, uma análise de tipo arqueológico. Embora as condições<br />

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