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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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genoma humano, exige que seus resultados se tornem uma publicação científica (com algumas<br />

centenas de autores). Mas recusa-se a tornar integralmente disponíveis os dados, abrindo um<br />

debate incandescente sobre a redefinição do conceito de publicação e sobre a própria<br />

fundamentação do método científico (Castelfranchi, 2004). A novidade não está no fato<br />

(antigo e conhecido) de que necessidades de ordem privada (como patentes e segredo<br />

industrial ou militar) possam atrasar ou impedir a divulgação de dados científicos. Inédito é o<br />

fato de que um grupo de pesquisadores reivindique o direito de manter os dados de um<br />

trabalho não totalmente abertos à checagem dos colegas, por razões comerciais e, ao mesmo<br />

tempo, peçam a publicação de um paper com peer-review, para marcar a prioridade<br />

acadêmica sobre a descoberta e receber o prestígio que disso deriva: a esfera econômica não se<br />

apossa apenas do uso e da propriedade do conhecimento, mas também parece reivindicar a<br />

regulação de sua geração criativa 33 .<br />

<strong>As</strong>sim, embora os tipos de discursos que sua atividade contribui para colocar em<br />

circulação sejam objeto de análise na parte II deste trabalho, Venter merece abrir este capítulo.<br />

Porque sua história é sintoma de algumas características da <strong>tecnociência</strong> contemporânea e<br />

sintetiza uma pergunta central no debate recente sobre <strong>tecnociência</strong>: a ciência de hoje é<br />

diferente daquela da época de Galileu e Isaac Newton, de John Clerk Maxwell e Charles<br />

Darwin, de Albert Einstein e Henry Poincaré? Se sim, ela é diferente do ponto de vista de seu<br />

funcionamento social ou também de seus métodos, processos e regras epistêmicas?<br />

Um fato importante a ressaltar é que Craig Venter pode ser um personagem<br />

excepcional, nas não é uma exceção. Seu modo de fazer e enxergar a ciência não é isolado.<br />

Suas relações (para alguns incestuosas ou desviantes) com o mundo dos negócios e da<br />

indústria, com a mídia e a política, não são anômalas. Pode-se interpretar, como fazem alguns,<br />

esta ciência – midiática, proprietária, encomendada, voltada para o lucro tanto quanto para a<br />

busca do conhecimento, para produção de informações confiáveis tanto quanto de utilidades<br />

“socialmente robustas” – como um estado de exceção 34 , como desvio neoliberal de um tipo<br />

33 A polêmica, exemplo marcante das contradições engendradas pela dupla condição de cientista e empreendedor,<br />

implicou um debate acirrado entre as duas mais prestigiosas revistas científicas do mundo, e teve um curioso desfecho:<br />

a revista gerida por uma empresa privada (Nature) recusou-se a publicar o trabalho de Venter et al. (com base no<br />

princípio de que paper científico é só aquele que coloca os pares em condição de verificar e repetir um estudo). Ao<br />

contrário, a Science, que tem como proprietário uma entidade pública (a AAAS), aceitou a publicação, argumentando a<br />

importância de uma “evolução da ciência”. Veja Castelfranchi (2004). Para uma história da “corrida do genoma”, Leite<br />

(2005).<br />

34 Utilizamos aqui o conceito de Carl Schmitt (2006) como metáfora. Entre a primeira e a segunda Revolução Industrial<br />

a ciência é vista por muitos como uma “república” (Polanyi, 1962). Na segunda metade do século XX, com a<br />

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