10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

1.4. A aceleração acelerada da produção de conhecimento<br />

1.4.1 A cabeceira de Derek<br />

Foi caso serendipitoso 52 aquele que levou Derek De Solla<br />

Price (1922-1983) à descoberta que o tornou pioneiro da<br />

cientometria. Em 1949, jovem formado em física, Price<br />

morava na Malásia. Trabalhava como professor de<br />

matemática aplicada no Raffles College, que se chama hoje<br />

Universidade Nacional de Singapura. A biblioteca da<br />

faculdade, cujo edifício ainda não estava construído, havia<br />

recebido uma preciosa coleção contendo todas as edições –<br />

desde seu surgimento (1665) até a década de 1930 – das<br />

prestigiosas Philosophical Transactions da Royal Society, a<br />

primeira revista científica. “Peguei a guarda daqueles belos volumes encadernados em couro<br />

de bezerro” – conta o próprio Price (1983) – “e os organizei nas estantes da cabeceira da cama,<br />

divididos em pilhas de dez anos cada. Ao longo de um ano, os li de capa a capa, obtendo assim<br />

minha educação de base como historiador da ciência. Mas, como efeito colateral, notando que<br />

as pilhas desenhavam uma bonita curva exponencial na parede, resolvi contar todas as outras<br />

coleções de jornais científicos que consegui encontrar. Descobri que este crescimento<br />

exponencial, com uma taxa espantosamente elevada, parecia ser uma lei universal, válida<br />

num notável intervalo de tempo” (trad. e grifos meus).<br />

Este crescimento acelerado, inexorável possui um duplo caráter. Ele é estrutural,<br />

intrínseco, concreto. Ao mesmo tempo é fruto de práticas discursivas 53 : é um efeito de verdade<br />

52 Serendipidade (serendipity) é descobrir por um acaso imprevisto uma coisa, enquanto procurava-se outra, tendo<br />

porém a sagacidade de se dar conta da descoberta: é a “capacidade de colher e interpretar corretamente um fato<br />

relevante que se apresente de maneira inesperada e casual ao longo de uma investigação diferentemente orientada” (De<br />

Mauro, T. Il Dizionario della Lingua Italiana. Milão: Paravia, 2000). <strong>As</strong>sim foram inventadas, por exemplo, a anestesia<br />

e a vulcanização.<br />

53 Em Arqueologia do Saber, Michel Foucault define as práticas discursivas como conjuntos de regras “anônimas,<br />

históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área<br />

social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa” (Foucault, 2005: p.133).<br />

A prática discursiva é o regime que controla, regulamenta, distribui as possibilidades de enunciação. Em Arqueologia<br />

do Saber Foucault trata de maneira bastante distinta, em certo sentido dicotômica, aquelas que chama de “formações<br />

discursivas” e “não discursivas”, e dedica atenção às primeiras, concedendo-lhes aparentemente um primado (Deleuze,<br />

2006: p. 59). No entanto, como fica evidente em obras sucessivas do filósofo, o enunciável e o visível, as palavras e as<br />

coisas, só podem ser estudadas como um conjunto. Para dizer com Deleuze (2006: p. 58), cada formação histórica<br />

49<br />

Figura 7. f(t) = Ae ct : a sombra<br />

desenhada pela pilha de revistas na<br />

cabeceira de Price.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!