10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

escrevia Hooke – eram inadequados para constituir o conhecimento apropriado. Era preciso de<br />

sentidos “disciplinados”. A nova maneira de conhecer os fenômenos da natureza é expressa<br />

por Hooke de forma brilhante no prefácio de sua Micrographia (1665):<br />

O Entendimento existe para ordenar todos os demais serviços inferiores oferecidos<br />

pelas Faculdades mais baixas; porém, deve fazê-lo como um Mestre justo, e não<br />

como um Tirano […] Deve observar a irregularidade dos Sentidos, porém não deve ir<br />

frente a eles ou prevenir sua informação […]. A verdadeira Filosofia deve começar<br />

com as Mãos e os Olhos, e prosseguir através da Memória, para ser continuada<br />

pela Razão; e não deve parar ali, mas, sim, voltar às Mãos e aos Olhos novamente, e<br />

assim por diante, por meio desta contínua passagem de uma Faculdade à outra… (cit.<br />

em Shapin e Schaffer, 2005: p. 72; trad. e grifos meus) 174 .<br />

Para Hooke, os instrumentos científicos eram fundamentais na produção de conhecimento<br />

verdadeiro não só porque reduziam a números e medidas os fenômenos sensíveis, mas também<br />

porque eram capazes de fazer isso “em regiões da matéria de outra maneira inacessíveis,<br />

impenetráveis e imperceptíveis para os sentidos”:<br />

De tal modo, como estendem o império dos sentidos, eles assediam [...] os lugares<br />

recônditos da natureza. O uso deles [...] até mesmo pelas mãos de um simples<br />

soldado, forçará em breve tempo a natureza a ceder as suas mais inacessíveis<br />

fortalezas (cit. em Shapin e Schaffer, 2005: p. 69-70, trad. e grifos meus) 175 .<br />

Trata-se da afirmação daquela que Michel Foucault chamava de “vontade de verdade”, ou<br />

vontade de saber, que se apóia sobre um suporte e uma distribuição institucional (os livros, as<br />

bibliotecas, as sociedades de sábios, os laboratórios) e, assim fundamentada, tende a exercer<br />

“uma espécie de pressão e como que um poder de coerção” sobre outros discursos. Por<br />

exemplo, diz Foucault (1996, OD: p. 19), “a literatura ocidental teve de buscar apoio, durante<br />

séculos, no natural, no verossímil, na sinceridade, na ciência também – em suma, no discurso<br />

verdadeiro”. Igualmente, as práticas econômicas procuraram, desde o século XVI,<br />

174 Obviamente, o tema da relação problemática entre razão e sentidos na produção do conhecimento é tão antigo<br />

quanto a epistemologia. Para um exame aprofundado da história do “arco do conhecimento” (a relação entre indução e<br />

dedução nas teorias sobre a verdade, desde os primórdios da filosofia ocidental), veja, por exemplo, Oldroyd (1998).<br />

175 Notar as analogias com o pensamento Baconiano: a natureza deve ser dominada e forçada a desvelar seus segredos:<br />

o “Império” do homem sobre o cosmo.<br />

181

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!