10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

tecnologias. Mas tampouco faz sentido dizer que as tecnologias seguem trajetórias<br />

determinadas univocamente pela lógica do capital ou pelos interesses dos atores envolvidos no<br />

jogo. Hughes afirma que quando uma tecnologia é nova, jovem, ainda em evolução, o controle<br />

social sobre sua trajetória é possível e, freqüentemente, explicitamente praticado. No entanto,<br />

uma vez que um sistema técnico amadurece e se cristaliza, envolvendo instituições,<br />

corporações, infra-estruturas físicas com grande número de empregados (um hospital, um<br />

manicômio, uma prisão, um acelerador de partículas elementares...), ele tem seu impulso<br />

próprio, endógeno, sua inércia, se tornando uma realidade que obedece a lógicas e regras que<br />

lhe são próprias e intrínsecas, capaz de moldar partes da conformação das cidades, da vida das<br />

pessoas, das práticas sociais.<br />

O mundo social, em outras palavras, parece repleto de Golem e feitiços; e a<br />

<strong>tecnociência</strong> parece pertencer a este tipo de criaturas. Fruto das ações e das relações humanas,<br />

se torna algo capaz de pautar comportamentos, modular necessidades e desejos, ter “impactos”<br />

sociais, ambientais e econômicos. Construção social por excelência, a <strong>tecnociência</strong> se auto-<br />

representa freqüentemente como algo externo à própria sociedade, um meteorito (produzido,<br />

talvez, no Olimpo cognitivo da ciência “pura”) “impactando” no mundo dos homens.<br />

Em meu trabalho, abordando a <strong>tecnociência</strong> contemporânea não somente como<br />

convergência ou fusão entre conhecimento científico e tecnologia mas como emergindo do<br />

entrelaçamento entre estes e o capitalismo neoliberal no interior de uma economia de poder<br />

baseada na governamentalidade, quis evidenciar a fecundidade de olhar para o saber científico<br />

como algo que nunca pertence somente à esfera cognitiva “pura”; e para o objeto técnico como<br />

algo que nunca é apenas um objeto material. Os objetos técnicos fazem sentido no interior de<br />

um conjunto sócio-técnico. São produções materiais que incorporam, solidificam, esculpem na<br />

matéria racionalidades e objetivos específicos, relações humanas e modos de produção e que,<br />

assim, se tornam portadores de significados imanentes. No contexto e no retículo dos outros<br />

símbolos, significados e práticas que as cercam, as técnicas podem ser reinventadas,<br />

recombinadas, desviadas.<br />

A tecnologia possui a inércia da locomotiva: uma rede sócio-técnica pode demorar<br />

anos para se constituir, estabilizar, cristalizar, decolar – e pode fracassar e desintegrar-se no<br />

meio do caminho. Mas, uma vez constituída, mudar seu funcionamento, suas trajetórias, sua<br />

aceleração é raro e difícil, devido ao fato de que o conjunto não é feito somente de objetos<br />

298

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!