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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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“fundamentar-se, racionalizar-se e justificar-se a partir de uma teoria das riquezas e da<br />

produção”. O sistema penal, enfim, também procurou seus suportes ou sua justificação na<br />

verdade, “como se a própria palavra da lei não pudesse mais ser autorizada, em nossa<br />

sociedade, senão por um discurso de verdade” (ibidem).<br />

A partir dos séculos XVI e XVII (na Inglaterra sobretudo), tal vontade de saber<br />

“desenhava planos de objetos possíveis, observáveis, mensuráveis, classificáveis”:<br />

Uma vontade de saber que impunha ao sujeito cognoscente (e de certa forma antes<br />

de qualquer experiência) certa posição, certo olhar e certa função (ver, em vez de ler,<br />

verificar, em vez de comentar); uma vontade de saber que prescrevia […] o nível<br />

técnico do qual deveriam investir-se os conhecimentos para serem verificáveis e<br />

úteis (Foucault, 1996, OD: p. 16-17; grifos meus).<br />

A disputa, interessantíssima, entre Thomas Hobbes e Robert Boyle, estudada por Shapin e<br />

Schaffer (2005), bem como por Latour (2005), centrava-se nesse ponto. Boyle afirmava ter<br />

achado a fórmula para o conhecimento útil, verossímil, confiável: deixar falar o experimento<br />

de laboratório. Hobbes acreditava que fundar uma concepção de verdade sobre a prática<br />

experimental – teoricamente aberta ao debate e à verificação pública – e não sobre a<br />

autoridade absoluta do Leviatã, levasse direto ao caos e à guerra civil. Para Hobbes, o<br />

conhecimento útil e verdadeiro era outro: o que deriva da razão. Mas Hobbes perdeu. A partir<br />

do final do século XVII, o conhecimento deve ser “verificável”, pela nova ordem do discurso.<br />

A razão pode ser enganada, os sentidos também, mas os fatos experimentais, construídos na<br />

“Os experimentos são os únicos meios para<br />

o conhecimento à nossa disposição; o resto<br />

é poesia, imaginação”.<br />

Max Planck<br />

artificialidade controlada do laboratório e de seus<br />

instrumentos, são objetivos e universais. São as<br />

vozes com que a Natureza nos fala, o lugar de<br />

veridicção para testar as teorias 176 .<br />

Se antes a razão é que era “pura” – a lógica e a geometria sendo consideradas verdadeiras por<br />

excelência – porque independente dos sentimentos e das percepções que sempre podem<br />

enganar, agora a grande batalha entre Boyle e Hobbes mostra em ação o fechamento de uma<br />

176 Sobre a importância dos instrumentos científicos, por exemplo em Galileu, e sobre a retórica que os acompanha,<br />

veja Beretta (2002, Cap. 2). O caso de Galileu e sua luneta (e de como ele conseguiu convencer os contemporâneos da<br />

verdade de fatos que iam contra a lógica e a racionalidade da época, bem como contra as aparências), é também central<br />

para a célebre argumentação de Feyerabend em Contra o método (Feyerabend, 2003).<br />

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