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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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mortos, mas também de normas compartilhadas por homens e mulheres, de uma determinada<br />

economia de poder embutida nos objetos e vivenciada pelas pessoas que os usam, de hábitos e<br />

desejos, de saberes e maneiras de se constituir como sujeitos. O objeto técnico é o cristal mais<br />

imediatamente visível de uma multiplicidade de mecanismos que regulam, impulsionam,<br />

normativizam o comportamento de um grande número de pessoas.<br />

Uma vez estabelecidas, instituições tecnocientíficas e redes sócio-técnicas atuam de<br />

uma maneira que se parece automática, que parece transcender nossa vontade. Trata-se de um<br />

poder que, na verdade, nós mesmos lhe atribuímos, delegando a esquemas e padrões nossas<br />

ações, deixando que nossas escolhas sejam guiadas por lógicas e cálculos específicos a uma<br />

determinada racionalidade, a mesma com a qual inventamos nossos objetos e estabelecemos<br />

como verdadeiros nossos enunciados.<br />

Por isso, além de olhar para a <strong>tecnociência</strong> a partir de seu funcionamento como<br />

conjunto dotado de características emergentes peculiares – e não só como cientifização da<br />

técnica (e da política), ou uma tecnicização da ciência (e da sociedade) – me pareceu útil<br />

aproveitar (e recombinar) o conceito foucaultiano de dispositivo. A meu ver, isso permite<br />

olhar para a parte não-linear no funcionamento do emaranhado tecnocientífico de saberes,<br />

discursos, economias de poder e da verdade, iluminando o tipo de efeitos e de retro-<br />

alimentações com que este atinge os sujeitos.<br />

Um dispositivo responde a exigências estratégicas que não coincidem necessariamente<br />

com os objetivos dos sujeitos envolvidos ou afetados. Objetivos tais como o de curar, de<br />

aliviar o sofrimento ou de estudar cientificamente um fenômeno podem, quando canalizados<br />

no interior de um dispositivo que responde a uma determinada urgência e enraizados numa<br />

determinada economia de poder, servir para uma função estratégica diferente:<br />

[O dispositivo é] um tipo de formação que, em um determinado momento histórico,<br />

teve como função principal responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto,<br />

uma função estratégica dominante. Este foi o caso, por exemplo, da absorção de<br />

uma massa de população flutuante que uma economia de tipo essencialmente<br />

mercantilista achava incômoda: existe aí um imperativo estratégico funcionando como<br />

matriz de um dispositivo, que pouco a pouco tornou−se o dispositivo de controle-<br />

dominação da loucura, da doença mental, da neurose (Foucault, 2006, MP: p. 244,<br />

grifos meus).<br />

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