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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Embora seja freqüentemente um artifício demagógico, uma encenação, o diálogo<br />

representa o sintoma de um tipo específico de funcionamento, de uma função estratégica do<br />

dispositivo, da emergência de osmoses que podem ser, e em alguns casos já foram,<br />

aproveitadas para reformular o sentido e as práticas do dispositivo 283 . <strong>As</strong> nevralgias da<br />

<strong>tecnociência</strong> e os interstícios de sua trama discursiva são interessantes porque deixam visível a<br />

constituição mútua de sujeitos, saberes, regimes de governo e sua modulação. O filme da<br />

<strong>tecnociência</strong> conta uma história que parece inexorável. Mas, por sua produção, precisa de<br />

atores, de inúmeros co-produtores e figurantes 284 .<br />

4.6 A <strong>tecnociência</strong> como construção coletiva<br />

4.6.1 Um trem em apuros<br />

Quando, em 2006, a população de uma pequena comunidade no Vale de Susa (norte da Itália)<br />

conseguiu uma grande mobilização para impedir a construção da nova estrada de ferro de alta<br />

velocidade, o que aconteceu não foi apenas uma série de protestos e passeatas que obrigaram o<br />

governo a adiar a obra e negociar com os grupos de pressão. Aconteceu que tais grupos<br />

fundaram suas argumentações políticas contra o “TAV” (“Trem de Alta Velocidade”,<br />

projetado para ligar Turim com Lyon com trens-bala diários) em estimativas, cálculos, dados<br />

técnicos e avaliações científicas alternativas, antagonistas àquelas apresentadas pelo governo<br />

(Castelfranchi e Sturloni, 2006).<br />

Desde as primeiras assembléias, o comitê do Vale de Susa convidava “especialistas<br />

283 Neste sentido, o discurso da participação descrito até aqui faz parte integrante de uma história mais ampla: a das<br />

mutações recentes do discurso sobre democracia e cidadania. Democracia “de baixo para cima”, “transparência”,<br />

participação social são palavras de ordem que (a partir do Pós-guerra nas democracias liberais e mais tarde em muitos<br />

países emergentes e ex-socialistas) entraram no léxico governamental no contexto de uma reformulação da cidadania.<br />

Para Sheila Jasanoff, a relação entre ciência e cidadania está hoje no centro de processos relevantes na construção, por<br />

exemplo, da identidade dos cidadãos como produtores e consumidores de conhecimento. Isso leva a uma luta em que<br />

governos ou corporações tentam “determinar quais cidadãos devem ser incluídos, e sobre que bases, nos debates e nas<br />

decisões relevantes” da <strong>tecnociência</strong> (Jasanoff, 2004: p. 90, trad. minha). Para a pesquisadora, o fato de que a questão<br />

da cidadania esteja de novo na mesa de debate das sociedades democráticas se deve tanto às mudanças (ocorridas<br />

especialmente a partir da década de 1980) nos esquemas e nas expectativas sobre governance, quanto aos próprios<br />

desenvolvimentos em ciência e tecnologia. Os avanços em C&T, diz Jasanoff, “estão abrindo novos espaços para a<br />

ação cidadã” enquanto, ao mesmo tempo, “a re-descoberta do conhecimento como reino da política está obrigando a<br />

um engajamento reflexivo [...] sobre a categoria de ‘cidadão’” (Jasanoff, 2004: p. 90, trad. minha). Além disso, “o<br />

progresso da ciência e da tecnologia levanta questões novas de inclusão e exclusão política, sobre a distribuição dos<br />

direitos e as obrigações, coisas que são fundamentais para o pensamento constitucional e para o governo democrático”<br />

(Jasanoff, 2004: p. 91).<br />

284 Esta co-produção está sendo objeto de pesquisas recentes na área dos science studies. Alguns acreditam que a<br />

sociologia da ciência e da tecnologia deve passar a falar um “novo idioma”, o idioma da “co-produção da ciência, da<br />

ordem social e da ordem natural” (Jasanoff, 2006).<br />

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