10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

3.1.1 Elementos e categorias de análise<br />

Na análise dos textos, enfoquei elementos relevantes para tornar visível o funcionamento do<br />

líquen discursivo ciência-técnicas-capital (Figura 19 e Quadro 3). Trata-se de topoi, leitmotifs,<br />

enunciações pertencentes a alguns grandes campos ou camadas (“Luz”, “Novum”,<br />

“Imanência”) que nem sempre se excluem mutuamente: não constituem categorias ortogonais,<br />

mas, ao contrário, são campos em parte sobrepostos e que se reforçam e sustentam<br />

mutuamente 148 . Busquei elementos genealógicos, em que é mais intenso o entanglement entre<br />

saber, poder e sujeito. Evidenciei elementos situados nas conexões do dispositivo, nas ligações<br />

entre o discurso das ciências, das técnicas, da “lógica de mercado”.<br />

Focalizarei aqui alguns desses estratos (no capítulo 4 explorarei outros). São “solos”<br />

fraturados por falhas tectônicas e dos quais emergem refrãos e conexões discursivas. Ecoando<br />

no fluxo de informação tecnocientífica atual, no Brasil e no exterior, tais elementos mostram a<br />

governamentalidade neoliberal, o controle, a biopolítica, a “cibernética” da <strong>tecnociência</strong> em<br />

ação.<br />

Alguns são elementos paleontológicos, pré-modernos, ligados a imagens e narrações<br />

sobre a busca de conhecimento, suas potências, suas seduções e seus perigos 149 . Ulisses e o<br />

Golem, o Aprendiz de feiticeiro e o Fruto Proibido, o fogo roubado por Prometeu e o<br />

Prometheus plasticator 150 , Dédalo e Ícaro vivem nas entrelinhas de muitas narrações<br />

tecnocientíficas hodiernas, sendo narrados tanto pelo gênero da epopéia heróica quanto por<br />

aquele inquietante da cautionary tale 151 . Na época em que a ciência moderna se<br />

institucionalizou, tais elementos não desapareceram. Pelo contrário: o homunculus dos<br />

gnósticos apareceu na casa de Fausto, mas já significando algo diferente; o Aprendiz de<br />

feiticeiro e o Golem reviveram em Frankenstein, que, porém, tem algo a mais que ambos.<br />

Eles se recombinaram com outros estratos específicos da configuração moderna,<br />

148 Para constituir e validar minha grade de análise dos textos, servi-me também de técnicas clássicas de análise<br />

qualitativa de textos (Spink, 2004: cap. 2,3 e 9; Bauer e Gaskell, 2002).<br />

149 Embora os descreva brevemente a seguir, tais elementos (interessantíssimos, porque portadores de uma dipolaridade<br />

importante na visão sobre conhecimento e poder) não são centrais para os objetivos específicos deste capítulo, e não me<br />

aprofundarei em sua análise. Descrevi-os mais em detalhe em Castelfranchi et al. (2008).<br />

150 Na mitologia grega existem duas grandes sagas na história de Prometeu. Há um Prometheus pyrophoros (“aquele<br />

que traz o fogo”), mais conhecido, e um Prometheus plasticator (“o moldador”), narrado, por exemplo, por Ovídio em<br />

suas Metamorfoses. Nesta versão, Prometeu molda e cria o primeiro homem a partir da argila. Tanto a faísca do fogo –<br />

e o conseqüente castigo divino – quanto a criação do homem inspiraram Mary Shelley em seu Frankenstein (cujo<br />

subtítulo, não por acaso, é “O moderno Prometeu”).<br />

151 Frankenstein, de Mary Shelley, é típico exemplo do gênero literário da cautionary tale, um conto voltado para<br />

admoestar e alertar sobre os perigos e as conseqüências de nossas escolhas.<br />

149

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!