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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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natureza inserido numa economia de poder. A <strong>tecnociência</strong> não pode ser dissociada do<br />

conjunto de práticas que fizeram efetivamente com que ela se tornasse um modo de fazer, um<br />

modo de se relacionar com o governo e com natureza.<br />

Ciência e tecnologia não se “fundiram” uma com a outra. São constituídas por práticas<br />

e discursos que mantêm algumas especificidades importantes, tanto do ponto de vista<br />

epistemológico quanto institucional e das normas dos sujeitos nelas envolvidos. Mas estão<br />

funcionando cada vez mais em conjunto (como num líquen), especialmente em setores<br />

estratégicos para o capitalismo: infotech, biotech, nanotech. “Problematizar” e<br />

“acontecimentalizar” a <strong>tecnociência</strong> significam, então, mostrar que não era óbvio que ciência e<br />

tecnologia se entrelaçassem dessa maneira. Este tipo de entrelaçamento não era auto-evidente,<br />

nem inevitável, inscrito no destino do capitalismo contemporâneo.<br />

Por isso, foi necessário mapear os movimentos tectônicos: quem financia a pesquisa<br />

científico-tecnológica hoje em dia, com base em quais objetivos estratégicos predominantes,<br />

produzindo que tipo de discurso? Com base em que normas a pesquisa é praticada? Que tipo<br />

de apropriação é feita? Sobretudo, foi necessário escolher uma luz sob a qual olhar e re-<br />

conceituar a <strong>tecnociência</strong>. Se ela não é apenas a fusão entre ciência e técnica, o que é? Minha<br />

hipótese foi de que é fecundo analisar uma parte do funcionamento da <strong>tecnociência</strong> a partir do<br />

conceito de dispositivo, que permite enxergar não somente as linearidades na interação<br />

ciência-técnica-capitalismo, mas um conjunto e uma rede complexa de práticas e discursos nos<br />

quais é visível a constituição mútua entre economias de poder, saberes técnico-científicos e<br />

sujeitos.<br />

Esta abordagem permitiu tornar visíveis algumas características marcantes, a meu ver,<br />

do funcionamento da <strong>tecnociência</strong> contemporânea. Da análise de fragmentos e enunciados no<br />

fluxo discursivo da <strong>tecnociência</strong>, emergiu uma duplicidade interessante. A <strong>tecnociência</strong> é, ao<br />

mesmo tempo, piramidal e reticular; se apresenta, ao mesmo tempo, como inexorável e<br />

modulável. Funciona demarcando autonomia, neutralidade, impermeabilidade (social,<br />

epistêmica, política), mas precisa da heteronomia e da heterogeneidade, precisa participar da<br />

governamentalidade, alimentar-se do feedback, das demandas e dos debates sociais. Seu<br />

discurso é um discurso de necessidade, bem como um discurso necessário.<br />

De um lado, a <strong>tecnociência</strong> funciona de maneira semi-autônoma e top-down. Constitui<br />

um saber que se auto-representa como a-político, que “cai” na sociedade somente a posteriori:<br />

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