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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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einventado. E quase tudo volta a viver, volta a fazer sentido, embora um sentido mutante,<br />

recombinante. Como na invenção (Recombinant DNA, rDNA) que trouxe o prêmio Nobel<br />

Figura 1. Molécula de insulina<br />

humana. Pode ser produzida<br />

por bactérias recombinantes<br />

contendo um gene humano<br />

para Stanley Cohen e Herbert Boyer: um recorte-cole molecular, feito<br />

graças a enzimas de restrição, por meio do qual (em 1973) os dois<br />

criaram a primeira seqüência gênica artificial, montada a partir de<br />

um patchwork de trechos de DNA existentes em diferentes<br />

organismos 4 . Graças à técnica do rDNA, novos organismos podem<br />

surgir a partir não só da evolução (isto é, o acaso da mutação, mais<br />

a necessidade, a seleção do ambiente) mas também por<br />

reprogramação calculada do homem. Graças a mutações e<br />

recombinações sociotécnicas, a <strong>tecnociência</strong> é reconfigurada não<br />

apenas a partir da seleção determinada pela “lógica do capital”,<br />

mas também por acontecimentos e pelas características imanentes do dispositivo, pelas suas<br />

contingências. A aposta de ler a <strong>tecnociência</strong> contemporânea como um dispositivo<br />

recombinante significará, então, entendê-la como algo que é construído e programado dentro<br />

das possibilidades, das condições de existência, dos objetivos da racionalidade neoliberal, mas<br />

que, ao mesmo tempo, reage, retroalimenta e também contribui para ressignificar e modular tal<br />

racionalidade. Neste trabalho, a <strong>tecnociência</strong> não será apenas a integração ou fusão entre<br />

ciência e tecnologia 5 . “Tecnociência” não remeterá somente à idéia de que as distinções<br />

obtendo proteção em troca de seu serviço respiratório ou fotossintético. Como conseqüência, os organismos eucariotes<br />

de hoje são, de fato, quimeras criadas pela combinação de diversos genomas. Margulis, extrapolando sua teoria, chega<br />

a afirmar que a competição não é a principal força na evolução: os seres vivos não ocuparam o mundo pela força, mas<br />

por cooperação.<br />

4 Graças a essa técnica, em 1978 os dois cientistas conseguiram criar a primeira bactéria contendo um gene humano,<br />

que era capaz de sintetizar insulina. “Rekombinant”, foi também o nome dado a uma lista de discussão<br />

(http://www.rekombinant.org/?page_id=8), ativa particularmente entre 2000 e 2005, lançada por Franco Berardi<br />

“Bifo”, Matteo Pasquinelli e outros ativistas da esquerda radical italiana, com “a intuição de que as tecnologias<br />

recombinantes (informática e biogenética) produzem uma mutação das formas de vidas e das formas epistêmicas. A<br />

política nos aparecia totalmente inadequada para compreender e interpretar essa mutação. Era preciso encontrar uma<br />

recombinação das próprias formas da política […], um repensar a própria função do agir coletivo” (Berardi, 2005; trad.<br />

minha).<br />

5 “Tecnociência”, resume Barnes (2005), é um termo que no trabalho acadêmico é usado com maior freqüência para<br />

“referir-se a conjuntos de atividades onde ciência e tecnologia se tornaram inextricavelmente emaranhadas, ou que<br />

hibridizaram em algum sentido” (trad. minha). A palavra foi cunhada pelo filósofo belga Gilbert Hottois na década de<br />

1970 e utilizada extensivamente por Bruno Latour a partir dos anos 80. Latour diz que o termo serve “para evitar a mais<br />

longa expressão ‘ciência e tecnologia’” e, em polêmica aberta com Heidegger, reivindica que usa a palavra “sem<br />

nenhuma conotação ontológica profunda”. (Latour, 1998: p. 38; trad. minha). No entanto, na definição que ele fornece,<br />

<strong>tecnociência</strong> não é sinônimo de “C&T” e, sim, o conjunto de “todos os elementos ligados aos conteúdos científicos, não<br />

importa se impuros, inesperados ou alheios”, enquanto “C&T” seria apenas “o que resta da <strong>tecnociência</strong> uma vez que a<br />

atribuição de responsabilidade foi resolvida” – isto é, a operação complexa de separar e purificar, nas redes<br />

sociotécnicas, o que é para ser definido como “ciência e tecnologia” do que é “sociedade” (ibidem, p. 235 segs.; trad.<br />

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