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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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neoliberal um salvo-conduto (discursivo, epistemológico e político), um passaporte de<br />

implacabilidade. “Inevitável” é a palavra chave que – quando carimbada por fragmentos<br />

oportunamente combinados do saber e do poder tecnocientífico – costuma funcionar para<br />

despolitizar escolhas sociotécnicas e deslegitimar as opções e os enunciados alternativos.<br />

Isso, porém, não é tudo. A implacabilidade política é parte importante do<br />

funcionamento da <strong>tecnociência</strong>, mas não representa a função estratégica à qual a <strong>tecnociência</strong><br />

responde. Se a função da <strong>tecnociência</strong> fosse circular, autoreferencial (reproduzir seus refrãos,<br />

repetir sua inevitabilidade como num mantra, manter absoluta e indiscutível a autoridade da<br />

ciência, da tecnologia e do capitalismo), seu discurso seria analisável substancialmente em<br />

termos de propaganda e ideologia, e seu funcionamento seria adequado a uma economia de<br />

poder de soberania.<br />

No entanto, no <strong>neoliberalismo</strong>, a função estratégica de um dispositivo como a<br />

<strong>tecnociência</strong> não parece ser a de reproduzir a si mesmo se defendendo dos ataques e das<br />

tentativas de modificação. Minha suspeita é que a peculiar interseção tecnocientífica que<br />

caracteriza nossa atualidade estaria funcionando em resposta a uma urgência estratégica que<br />

não é repressiva, coercitiva e totalizadora, mas antes de tudo positiva e individualizante: a de<br />

uma mobilização total permanente, individual e dividual, molecular e global 309 , voltada<br />

para que toda e qualquer energia potencial seja canalizada e aproveitada em prol da<br />

aceleração técnica e do capital, da acumulação, da apropriação de bens e serviços materiais e<br />

imateriais. Uma mobilização total, isto é, convocar num fluxo coeso as energias e os impulsos<br />

disponíveis para suscitar novos avanços técnicos, maiores ganhos em eficiência e, sobretudo,<br />

abrir territórios apropriáveis, novos nichos para gerar lucro em todos os níveis e todas as<br />

esferas possíveis. Ao elevar a demanda (ou ao fazer surgir a necessidade) de máquinas<br />

imateriais, de tecnologias simbólicas, de mercadorias ligadas a esferas cognitivas e<br />

emocionais, o capitalismo contemporâneo precisa explorar (ou inventar) as “fronteiras sem<br />

fim” do saber e dos signos.<br />

309 Ernst Jünger usa pela primeira vez a expressão “mobilização total” em 1930, em seu ensaio Die Totale<br />

Mobilmaching, para indicar algo que, segundo ele, tinha sido essencial na Primeira Guerra Mundial e que a tornou<br />

possível: a ligação entre guerra e trabalho por meio de algo que consegue converter toda a existência dos homens em<br />

energia útil, eficaz. A mobilização é total, diz Jünger, porque afeta o planeta todo, as ações humanas, os corpos, o<br />

espírito. Nenhuma partícula das pessoas, nesse regime, é estranha ao trabalho. Tudo é mobilizado através, diz Jünger,<br />

da potência da técnica.<br />

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