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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Anne Kerr, ainda, estudando a genética, concluiu recentemente: “seria ingênuo assumir<br />

que [...] as atuais relações entre profissionais, pacientes, públicos e doenças genéticas sejam<br />

fundamentalmente diferentes daqueles do passado” (Kerr, 2003: p. 220). Isso porque as<br />

relações de poder envolvidas, por exemplo, na relação médico-paciente, ou entre empresa-<br />

universidade-usuário, não mudam simplesmente em conseqüência de uma nova retórica dos<br />

políticos. Grove-White (2001) também acredita que em muitos casos o discurso do diálogo e<br />

da participação é uma maquiagem: as comissões sobre biotecnologia (comitês de bioética,<br />

biossegurança etc.) atuam um bom plano de relações públicas. Na prática, quem manda não<br />

muda.<br />

Em suma, o discurso de uma nova governance parece menos uma mudança estrutural e<br />

fundamental e mais uma maneira de fortalecer a confiança pública e manter a “licença de<br />

operar”. Não parece corresponder a verdadeiros mecanismos de democracia de baixo para<br />

cima (que, aliás, dizem muitos, seria difícil imaginar e implementar concretamente sem correr<br />

o risco de uma paralisia da aceleração tecnocientífica: Bucchi, 2006: p. 154 segs). Para Irwin,<br />

a “política da fala” é uma resposta a uma suposta “crise de legitimação” da <strong>tecnociência</strong>,<br />

sentida especialmente pelos governos de países centrais. A retórica do diálogo parece então<br />

uma reação ao protagonismo dos movimentos sociais e dos grupos de pressão. Uma resposta<br />

baseada na hipótese de que “uma mais ampla consulta pública sobre os desenvolvimentos<br />

científicos e tecnológicos possa eliminar (ou ao menos reduzir) uma posterior oposição à<br />

mudança técnica e alcançar um amplo consenso social” (Irwin, 2006).<br />

Mesmo assim, o que interessa aqui não é pesar numa balança o peso da fumaça versus<br />

o da carne, estabelecer quanta parte do diálogo, do empowerment e do engajamento seja<br />

retórica e quanta parte “autêntica”. O que importa é ver que, mesmo num contexto em que a<br />

governamentalidade continua sendo submetida ao “tribunal econômico permanente”<br />

imaginado por Foucault e ao regime de veridicção do mercado, dentro desta mesma<br />

racionalidade aparecem sintomas da necessidade de mostrar aberturas e canais para suscitar a<br />

comunicação. O diálogo com o público, de fato, não transforma as instituições, nem a lógica<br />

do dispositivo. Mas, mesmo que abertura e transparência sejam usadas como meio para<br />

recuperar a confiança de um público cético e para convencer de que os experts são objetivos,<br />

imparciais e competentes, a mudança de registro retórico, os novos slogans e o emergir de<br />

figuras profissionais ligadas ao “engajamento” e à “participação social” sinalizam algo<br />

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