10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

como reflexo (distorcido, banalizado, sensacionalizado) de uma realidade (econômica,<br />

política, científica) subjacente. O discurso não é o espelho sujo da realidade. É claro: os<br />

enunciados produzidos por empresários, pesquisadores, policy-makers possuem funções de<br />

propaganda ou de aliciamento, de combate político ou de negociação, de demarcação de<br />

confins ou de declaração de guerra. Revelam certamente, para quem gosta da palavra<br />

ideologia, “funções ideológicas”. Mas isso não significa que devam ser descartados como<br />

sendo uma versão deformada de algo “mais real” 145 . A formação do discurso na mídia é tão<br />

importante, para um mapa da <strong>tecnociência</strong> contemporânea, quanto a observação in vivo dos<br />

cientistas em seu laboratório, mas ilumina outros territórios epistêmicos e políticos.<br />

Observar os cientistas em ação permite investigar determinados aspectos de suas<br />

práticas. Olhar para os enunciados que eles proferem publicamente quando participam de uma<br />

polêmica, quando interrogados pelo poder, quando questionados pelo mercado permite tornar<br />

visíveis outros elementos e outros processos. Analisar a conferência pública em que um<br />

cientista comenta indignado sobre a ignorância e o “medo irracional” que determinariam a<br />

rejeição dos transgênicos por parte de alguns grupos sociais, ou, ainda, entender o<br />

funcionamento das explicações desse suposto “medo irracional” com base na teoria de que há<br />

sujeitos que ainda vivem num estágio “pré-lógico” é tão revelador do funcionamento da<br />

<strong>tecnociência</strong> quanto observar o mesmo cientista produzindo dados empíricos sobre enzimas de<br />

restrição.<br />

Tornar visíveis os tipos de estratégias discursivas e as economias do discurso que<br />

regulam a produção e legitimação dos enunciados em situações diversas (em que os objetivos,<br />

os interesses em jogo e a linguagem mudam, bem como o campo e as condições da batalha)<br />

ajuda a entender como e em que sentido a <strong>tecnociência</strong> funciona hoje como dispositivo de<br />

inexorabilidade.<br />

Em outras palavras, dependendo do contexto político, do eventual conflito em que<br />

estão envolvidos, os informantes da <strong>tecnociência</strong> reproduzem diferentes enunciados do<br />

145 O sentido que Foucault dá aos conceitos de enunciado e discurso é notavelmente diferente do de outros autores. Para<br />

Bakhtin, por exemplo, o que é mais interessante investigar são as conexões entre o verbal e o extra-verbal, as relações<br />

entre a parte percebida ou realizada em palavras de um enunciado e uma parte “presumida”. Foucault, ao contrário, não<br />

está interessado em eventuais níveis presentes além da materialidade lingüística, mas em examinar o enunciado<br />

enquanto acontecimento e enquanto “função” dentro uma formação discursiva (Foucault, AS: Parte I, Cap. 1; Parte II,<br />

Cap. 1 e 2). Para a definição de “enunciado” e de “arquivo” em Foucault, veja Foucault (AS: Parte II, Cap. 1 e 5). Para<br />

uma análise comparativa da abordagem de Bakhtin, Pêcheux e Foucault, veja Sargentini (2006).<br />

144

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!