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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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críticas cada vez mais contundentes, foi forçado a afastar-se de parte das afirmações<br />

aristotélicas:<br />

Entre o final do século XV e a segunda metade do XVI, apareceu na cena científica<br />

uma turma de naturalistas, em grande parte autodidatas, que recusaram com força o<br />

ensino livresco e das universidades, proclamando a superioridade do conhecimento<br />

direto da natureza. (Idem, p. 11; trad. minha).<br />

Especialmente em sua primeira fase, tal movimento de recusa nutria-se também de uma visão<br />

organicista e mágica do mundo (Beretta, 2002: p. 8-13; Rossi, 2000: cap. 2), tal como a de<br />

Paracelso 164 , médico, alquimista e mago, em que plantas, animais, pedras, rios, faziam parte de<br />

um Todo-Vivo interconectado. Estamos, para utilizar o termo cunhado por Max Weber, num<br />

mundo que é ainda “encantado” (ou “magificado”). Ou, se queremos nos situar no divisório<br />

traçado por Foucault em <strong>As</strong> palavras e as coisas 165 , estamos no contexto de uma epistémê –<br />

que perdura até o fim do século XVI – em que “a forma mágica é inerente à maneira de<br />

conhecer” e o mundo é “coberto de signos que é preciso decifrar [...] Conhecer será, pois,<br />

interpretar: ir da marca do visível ao que se diz através dela” (Foucault, PC: p. 44-45) 166 .<br />

Tal visão organicista e mágica podia encontrar algum suporte na filosofia platônica<br />

(mais que na aristotélica) e via com interesse o resgate do papel dos números e da geometria<br />

na filosofia natural. O atomismo de Demócrito e Epicuro também gerava interesse nos<br />

pensadores renascentistas, e as trocas entre naturalismo, organicismo, magia, platonismo,<br />

atomismo faziam com que uma multiplicidade de vozes antigas reaparecesse e uma<br />

multiplicação de vozes novas se inserisse na a polifonia renascentista. A idéia (até então<br />

hegemônica, embora não única) de uma Antiguidade em que os homens eram melhores e mais<br />

sábios, caia em desgraça. Nos ombros dos gigantes, podemos enxergar mais longe que eles.<br />

164 Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim (1493-1541).<br />

165 Segundo Foucault, a investigação arqueológica mostraria “duas grandes descontinuidades na epistémê da cultura<br />

ocidental: aquela que inaugura a idade clássica (por volta dos meados do século XVII) e aquela que, no início do século<br />

XIX, marca o limiar de nossa modernidade. A ordem, sobre cujo fundamento pensamos, não tem o mesmo modo de ser<br />

que a dos clássicos. Por muito forte que seja a impressão que temos de um movimento quase ininterrupto da ratio<br />

eruopéia desde o Renascimento até nossos dias [...] toda esta quase-continuidade no nível das idéias e dos temas não<br />

passa, certamente, de um efeito de superfície; no nível arqueológico, vê-se que o sistema das positividades mudou de<br />

maneira maciça na curva dos séculos XVIII e XIX” (Foucault, PC: p. xix).<br />

166 Até o século XVI, diz Foucault (PC: p. 47), “a linguagem não é um sistema arbitrário; está depositada no mundo e<br />

dele faz parte porque, ao mesmo tempo, as próprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e<br />

porque as palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar”.<br />

168

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