10.06.2013 Views

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

direito e conforme o ritual requerido; era o discurso que pronunciava a justiça e<br />

atribuía a cada qual sua parte; era o discurso que, profetizando o futuro, não somente<br />

anunciava o que ia se passar, mas contribuía para a sua realização, suscitava a<br />

adesão dos homens e se tramava assim com o destino. (Foucault, 1996, OD: p. 14-<br />

15).<br />

Mas eis que, um século mais tarde, a verdade já não residia mais no que era o discurso, ou no<br />

que ele fazia, mas residia no que ele dizia:<br />

chegou um dia em que a verdade se deslocou do ato ritualizado, eficaz e justo, de<br />

enunciação, para o próprio enunciado: para seu sentido, sua forma, seu objeto, sua<br />

relação, sua referência. Entre Hesíodo e Platão uma certa divisão se estabeleceu,<br />

separando o discurso verdadeiro e o discurso falso; separação nova, visto que,<br />

doravante, o discurso verdadeiro não é mais o discurso precioso e desejável, visto que<br />

não é mais o discurso ligado ao exercício do poder. (Ibidem).<br />

No século XVII, a opinião sobre a origem do conhecimento verdadeiro e sobre o método para<br />

alcançá-lo estava longe de ser unânime. Discursos opostos lutavam pela hegemonia sobre<br />

como deveria ser produzido o conhecimento confiável. A afirmação de que a ciência de<br />

laboratório – sendo baseada em “fatos” experimentais – era mais fidedigna que o<br />

conhecimento produzido por raciocínios lógicos e deduções axiomáticas era vista por muitos<br />

como absurda (Shapin e Schaffer, 2005: Cap. 2).<br />

Em 1666, Margareth Cavendish, duquesa de Newcastle – provavelmente a primeira<br />

mulher a ser admitida numa reunião da Royal Society – achava divertidos os experimentos de<br />

Robert Boyle, que com sua bomba pretendia demonstrar a existência do vácuo. Mas<br />

comentava assim:<br />

Nossa época está mais inclinada a enganosos experimentos que a argumentos<br />

racionais […], confiando mais na visão ilusória dos olhos e dos óculos que na<br />

percepção clara e regular da razão (cit. em Shapin e Schaffer, 2005: p. 64, trad. e<br />

grifos meus).<br />

Nos mesmos anos, Robert Hooke, o grande microscopista, precisava defender a hipótese de<br />

que as coisas vistas por meio de lentes fossem reais e não mera ilusão. Os sentidos sozinhos –<br />

180

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!