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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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artigos na área de física é tal que a probabilidade que alguém cite um determinado<br />

trabalho cai pela metade a cada cinco anos (Gupta 1990) 65 .<br />

2. O crescimento acelerado contribui para a especialização extrema, molecular das<br />

disciplinas (“saber tudo sobre nada”). Além do fato de que nenhum físico<br />

contemporâneo poderia conhecer toda a física produzida a cada ano, em muitos casos<br />

um físico, digamos, da área de matéria condensada, nem sequer pode entender a<br />

linguagem de um paper de cosmologia quântica, ou sobre super-cordas. A overdose<br />

informacional soma-se assim a uma babelização das linguagens científicas,<br />

inexorável e aparentemente inescapável.<br />

3. O crescimento da população de cientistas, da divisão do trabalho tecnocientífico e<br />

intelectual nos laboratórios e nas academias implica também um crescimento<br />

extraordinário da necessidade de instrumentos tecnológicos sofisticados, de grandes<br />

estruturas e grandes equipes de pesquisa, tendo como efeito colateral que, em<br />

inúmeras áreas da Big Science, os custos necessários para replicar, verificar, falsificar<br />

alguma experiência ou afirmação científica podem ser inalcançáveis. <strong>As</strong>sim, junto com<br />

o ideal da construção cumulativa de um conhecimento acessível e certificado, também<br />

é posto em cheque outro ideal fundador da ciência moderna: o que define como<br />

critério necessário para qualquer experiência de caráter científico a repetibilidade e<br />

testabilidade. Ambas continuam em princípio possíveis e necessárias, mas o fato de<br />

que na prática possam ser inviáveis, e dependam de grandes investimentos, traz<br />

conseqüências importantes.<br />

4. Um crescimento prolongado e acelerado leva a uma limitação de recursos disponíveis<br />

e uma acirrada concorrência. Se hoje ninguém pode ler tudo o que é publicado,<br />

também ninguém pode obedecer à caridosa sugestão que Ortega y Gasset já fazia em<br />

65 O crescimento explosivo de aparatos simbólicos ou conjuntos de informações não é exclusivo da ciência e, sim,<br />

típico do capitalismo. A “sociedade da informação” conhece inúmeros exemplos deste fenômeno inflacionário. A<br />

língua inglesa contém hoje cerca de quinhentas mil palavras. Na época de Shakespeare eram cinco vezes menos<br />

(Wurman, 1989). O New York Times publica hoje, ao longo de uma semana, mais informação do que uma pessoa<br />

comum do século XVII podia encontrar ao longo de sua vida inteira. Para Postman (1990), a cada ano são publicados<br />

pelo menos trezentos mil títulos de livros no mundo. Alguns estimam que a informação produzida no planeta aumente<br />

cerca de 30% ao ano (Lyman & Varian, 2003), enquanto a informação científica, de acordo com alguns entusiastas do<br />

crescimento, dobraria a cada ano. Porém, na ciência a aceleração causa conseqüências mais relevantes, porque afeta<br />

algumas de suas normas sociais e epistemológicas constitutivas. Voltaremos a discutir a questão na Parte II, porque o<br />

dispositivo da <strong>tecnociência</strong> se baseia, entre outras coisas, nesta imagem de um crescimento explosivo, aparentemente<br />

endógeno, fisiológico, imanente e, portanto, inevitável, “natural”.<br />

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