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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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Campos narrativos e tipo de enunciações<br />

Trata-se de um autêntico império sobre a natureza, que se dá não por meio de princípios<br />

transcendentes, mas pela modulação da imanência: Naturae enim non imperatur, nisi<br />

parendo (“Só se governa a natureza obedecendo-lhe”), diz Bacon (Novum Organum, Cap.<br />

1, par. 129). A <strong>tecnociência</strong> permite responder às perguntas e, sobretudo, permite ampliar<br />

os confins do império do homem sobre a natureza até conseguir (como diz Bacon) “todos<br />

os possíveis objetivos” (“The end of our foundation is the knowledge of causes, and<br />

secret motions of things; and the enlarging of the bounds of human empire, to the<br />

effecting of all things possible”. Bacon, 1997 [1620], The New Atlantis: Par. 71).<br />

Um dos elementos que mais contribuem para construir barreiras discursivas que<br />

demarcam a auto-propulsividade da <strong>tecnociência</strong> e defendem sua impermeabilidade<br />

política é o complexo aparato de enunciados que reivindicam a <strong>tecnociência</strong> como<br />

baseada num conhecimento caracterizado por sua pureza: um termo cujo campo<br />

semântico é vasto, nebuloso, ambíguo. O conhecimento científico é puro por variadas<br />

razões e em multíplices sentidos. É puro porque baseado em fatos, não em opiniões, na<br />

“realidade”, não na “ideologia”. Também é puro porque produzido com base num método<br />

(o método científico) que permite chegar a consenso, fechamento das controvérsias e,<br />

assim, a uma base, ainda que provisória, dinâmica, e em evolução, mas de conhecimento<br />

comum, universal, objetivo. É puro porque, então, é conhecimento alheio às crenças, aos<br />

valores políticos, independente da raça, religião, gênero, nacionalidade. A ciência, nesta<br />

narração, seria externa ao poder, e a ele impermeável.<br />

O conhecimento científico é puro porque pura também é a instituição ciência:<br />

coletividade de indivíduos desinteressados, amadores no sentido etimológico do termo,<br />

em busca de um conhecimento universal por si mesmo (for its own sake): o conhecimento<br />

científico é não-instrumental. A ciência moderna reivindica ser antes de tudo<br />

conhecimento de base, isto é, “pura”.<br />

Esta separação entre fatos e crenças se dá também graças ao papel da comunicação:<br />

construir comunidades de pares que analisam, discutem, testam fatos até chegar, por<br />

meio da “arbitragem da realidade”, a uma aproximação cada vez melhor da verdade.<br />

A comunicação do conhecimento é um valor. Aliás, o “verdadeiro conhecimento” se<br />

reconhece das falsidades e das charlatanearias porque, ao menos em princípio, é a todos<br />

comunicável, por todos compreensível, por todos testável e passível de checagem. Tanto a<br />

circulação de mercadorias quanto a de idéias devem ser livres.<br />

Além disso, tamanhas maravilhas e tamanha centralidade para o progresso fazem com que<br />

a ciência, a técnica e a aceleração do capitalismo sejam uma Luz que pode e deve ser<br />

transmitida a todos. Universalizar e democratizar o saber e a verdade é fundamental para<br />

combater as trevas, os preconceitos.<br />

Quem não sabe, não funciona bem como cidadão: não está realmente em condição de<br />

decidir. Os ignorantes são perigosos, porque reagem com base no medo e na<br />

irracionalidade.<br />

153<br />

Elemento<br />

conectivo, topos<br />

ou letimotiv<br />

Imperium<br />

Imanência versus<br />

transcendência<br />

Todas as<br />

perguntas<br />

Todos os<br />

objetivos<br />

Pureza<br />

Fatos vs opinião<br />

Realidade vs<br />

ideologia<br />

Método vs<br />

crenças<br />

Saber vs poder<br />

Neutralidade,<br />

imparcialidade<br />

Desinteresse<br />

Comunitarismo<br />

(e ceticismo).<br />

Testes e<br />

testemunhas<br />

Ciência para<br />

todos<br />

Luzes vs trevas<br />

Sábios vs<br />

ignorantes<br />

Razão vs medo

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