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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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4.2.2 Cientistas em campo<br />

Em fevereiro de 2001, oitenta vencedores do Prêmio Nobel escreviam, nos EUA, uma carta<br />

aberta ao Presidente George W. Bush, pedindo que não proibisse a pesquisa com células-<br />

tronco em instituições públicas 217 . Sob pressão intensa, alguns meses depois, Bush tomava<br />

uma decisão de compromisso que deixava revoltados tanto a comunidade científica – e a<br />

esquerda democrática – quanto seus aliados conservadores (que declararam: “ele já não tem<br />

mais direito de dizer que é a favor da vida”): as células-tronco previamente coletadas nos<br />

laboratórios podiam ser usadas em pesquisas financiadas com dinheiro público; porém, os<br />

embriões congelados, mesmo aqueles já destinados a serem eliminados (pertencentes a casais<br />

que desistiram de seu uso) não podiam ser tocados com dinheiro público, pois a “decisão de<br />

vida ou de morte ainda não estava tomada” 218 .<br />

No mesmo período, os cientistas italianos também entravam em guerra. Alfonso<br />

Pecoraro Scanio, membro do Partido Verde e então Ministro das Políticas Agrícolas, havia<br />

emitido uma medida de lei proibindo a pesquisa com OGMs em agricultura e zootecnia,<br />

quando feita em campos ao ar livre. Em resposta, cerca de mil e quinhentos pesquisadores<br />

assinavam um “Manifesto para a liberdade de pesquisa” 219 e organizavam um autêntico coupe<br />

de teathre midiático que incluía passeatas com nobelistas e uma “oração fúnebre para o<br />

falecimento da ciência”. Silvio Garattini, diretor do instituto biomédico Mario Negri de Milão<br />

(um dos maiores do país) comentava na ocasião: “apelar para a sociedade civil é nossa única<br />

possibilidade [...] A sociedade civil tem que saber que sem pesquisa não existe inovação e<br />

sem inovação não existem produtos de alta tecnologia. A ausência de pesquisa é um handicap<br />

para o desenvolvimento do país” 220 (trad. minha).<br />

217<br />

“[...] Embora reconheçamos as questões éticas legítimas levantadas por este tipo de pesquisa, é importante<br />

compreender que as células que são utilizadas nesta pesquisa já eram destinadas a serem eliminadas, em qualquer caso.<br />

Sendo assim, seria trágico desperdiçar a oportunidade de prosseguir o trabalho que pode, possivelmente, aliviar o<br />

sofrimento humano [...] Pedimos que permita o prosseguimento da pesquisa sobre células-tronco pluripotentes com<br />

apoio Federal, para que os extraordinários benefícios científicos e médicos de seu uso possam um dia se tornar<br />

disponíveis para os milhões de Americanos que precisam deles tão desesperadamente [...]” (trad. minha). Disponível<br />

em: http://www.aau.edu/research/StemCell2.21.01.html. Acesso em março de 2008.<br />

218<br />

Veja, por exemplo, http://www.commentarymagazine.com/viewArticle.cfm/Stem-Cells-and-the-President-br--An-<br />

Inside-Account-11024. Acesso em março de 2008.<br />

219<br />

http://staminali.aduc.it/php_docushow_74_4_t_l.html . Acesso em março de 2008.<br />

220<br />

Por um lado (“[...] a sociedade tem que saber”) é evidente o uso retórico de elementos como o dos “sábios versus<br />

ignorantes” (cap. 3) e do clássico teorema de Vannevar Bush: a pesquisa de base é o capital científico que, investido,<br />

gera novas tecnologias e desenvolvimento (cap. 1). Por outro lado, também é visível a lógica do double bind e aquele<br />

que Gieryn (1983) chama de “boundary work”: a ciência é, ora defendida como conhecimento puro, e, por isso,<br />

totalmente distinta da tecnologia, ora a ciência é prezada como tendo utilidade instrumental e sendo a base para toda<br />

232

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