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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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suporte para enunciações e práticas contemporâneas (a ciência a serviço da indústria e do<br />

capital; o cientista como inovador e empreendedor; a sociedade precisando da aceleração e da<br />

inovação como motor para o crescimento).<br />

A ordem discursiva da <strong>tecnociência</strong> contemporânea e seus enunciados dominantes<br />

emergem de maneira brilhante nas falas públicas de Venter. A <strong>tecnociência</strong> “em ação” 153 , a<br />

“Lenda” 154 e a “ciência real” 155 se recombinam. A ciência acadêmica, que no período fordista<br />

se acostumara com um auto-retrato de “pureza” e de normas mertonianas (uma ciência<br />

“coletivista”, universal, desinteressada, objetiva, cética, mas cujas aplicações são instrumentos<br />

cruciais da humanidade) deve agora, pela racionalidade neoliberal bem exemplificada nas<br />

falas de Venter, também demonstrar que é eficiente, produtiva, capaz de reagir com prontidão<br />

às demandas sociais. Deve aceitar como legítima parceira aquela P&D privatizada, neoliberal,<br />

agressiva (ou “proativa”), empreendedora, que entusiasma alguns comentadores e assusta<br />

outros (e que faz parte integrante da reconfiguração descrita no capítulo 1).<br />

Em contextos de combate, pode acontecer que o dispositivo tecnocientífico vista seu<br />

jaleco branco e mobilize elementos estratégicos da retórica da ciência acadêmica. Para<br />

automatizar e despolitizar sua prática de homo oeconomicus, muitos cientistas-<br />

empreendedores reproduzem elementos incorporados no discurso clássico sobre o progresso<br />

científico: a ciência é neutral, é conhecimento puro cujo avanço e cuja liberdade de expansão<br />

não devem ser obstaculizados. A ciência não tem culpa pela poluição ou pela bomba atômica.<br />

O cientista é um amateur, um apaixonado explorador em busca da verdade (Quadro 5<br />

abaixo). Não é responsável pelo uso do conhecimento produzido. Seu trabalho é outro,<br />

estranho à política e à moral, objetivo e separado dos valores e das poeiras do conflito, e deve<br />

permanecer autônomo com relação aos interesses políticos.<br />

Por outro lado, quando é preciso automatizar o desmanche de elementos clássicos da<br />

prática acadêmica e de seu ethos (tais como as normas de desinteresse e a separação entre<br />

interesse científico e aplicação comercial), elementos do discurso neoliberal se combinam e<br />

153 No sentido que Bruno Latour (1998) dá à “ciência em ação”: a ciência estruturada em suas redes de atores, cientistas<br />

e não cientistas (bem como humanos e não-humanos, tais como os instrumentos de laboratório e os artefatos<br />

sociotécnicos).<br />

154 “Lenda”, no sentido que John Ziman atribui a “The Legend”: o discurso fundador, estereotipado e mistificado da<br />

ciência moderna, de acordo com o qual esta funcionaria com base nas normas mertonianas do CUDOS e seria<br />

relativamente autônoma do resto da sociedade (veja cap. 1 e Ziman, 2000).<br />

155 No sentido de John Ziman: “Real Science” (2000): a ciência real, “pós-acadêmica” com suas relações com a<br />

política, a economia, os públicos etc.<br />

156

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