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As serpentes e o bastão: tecnociência, neoliberalismo e ... - CTeMe

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técnicas, permite entender como funcionam a despolitização e os efeitos de inexorabilidade da<br />

<strong>tecnociência</strong>.<br />

Em terceiro lugar, examinar a própria <strong>tecnociência</strong> como um acontecimento (Foucault,<br />

2005, AS e 2006, MP) que marca a atualidade ajuda a desconfiar da suposta inevitabilidade da<br />

configuração atual, a não cair de maneira ingênua no dilema determinista e a enxergar, junto<br />

com as determinações advindas de seus elementos constituintes, também algumas<br />

especificidades que são fenômenos emergentes da <strong>tecnociência</strong> como um conjunto.<br />

Em quarto lugar, propor uma sociologia da <strong>tecnociência</strong> a partir da hipótese de que ela<br />

funcione como um dispositivo (Foucault, 2006, MP: p. 244 segs.) ajuda a ver nela uma<br />

formação histórica em que produção da verdade, regimes de poder e produção de<br />

individualidade interagem e se constituem mutuamente 105 . E abre possibilidades de encontrar<br />

linhas e processos em que a <strong>tecnociência</strong>, ao em vez de inexorável, aparece contingente,<br />

socialmente moldada, politizável.<br />

O conceito de governamentalidade, enfim, é extremamente fecundo para se pensar<br />

uma sociologia da <strong>tecnociência</strong> atual. Em primeiro lugar, porque sintetiza que, no interior da<br />

racionalidade liberal, governar não significa somente lidar com uma axiomatização<br />

transcendente, com regras e postulados vindos das leis eternas de Deus ou daquelas<br />

negociadas pelos homens. Na governamentalidade, governar significa conectar-se à imanência<br />

do sistema, conhecê-lo, compreendê-lo para poder influenciar eficazmente os fenômenos.<br />

Neste sentido, o governo moderno é em certa medida um governo “cibernético”: do grego<br />

kybernétes, timoneiro, alguém que governa um navio tendo que estar conectado aos ventos, às<br />

ondas, às correntes, aos outros navios, num sistema complexo de retroalimentações positivas e<br />

negativas 106 . Governar significa, em suma, calcular, responder, reagir, integrando as<br />

respostas do timoneiro com os inputs do ambiente, para obter uma resultante em que o<br />

navio “se conduza” até o porto 107 .<br />

Não é difícil enxergar a convergência entre esta racionalidade e a epistemologia da<br />

ciência experimental que surge com Bacon, Boyle, Galileu, Newton: a natureza é um relógio<br />

105 Para Rabinow e Dreyfus (1995: p. 126), “parte da genialidade – e da dificuldade – do trabalho de Foucault reside na<br />

sua recusa sistemática em aceitar as categorias sociológicas usuais. A tecnologia política do corpo – o cruzamento das<br />

relações entre poder, saber e corpo – não pode ser encontrada numa única instituição nem num único aparelho de poder,<br />

como o Estado [...]. Foucault não trata das instituições per se, mas do desenvolvimento das tecnologias de poder”.<br />

106 No capítulo 4 analisarei este elemento também do ponto de vista do entrelaçamento discursivo. Veja 4.7.<br />

107 Na governamentalidade neoliberal, como veremos a seguir, a economia se torna o cálculo de governo por<br />

excelência, e o mercado o “lugar de verdade” para a prática de governo. Governa-se para o capital e o mercado.<br />

105

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